segunda-feira, 20 de maio de 2013

Nossa percepção de valores morais objetivos



#36

Nossa percepção de valores morais objetivos

Caro Dr. Craig:
Em um de seus artigos (“The Indispensability of Theological Meta-Ethical Foundations for Morality” [A indispensabilidade de fundamentos teológicos metaéticos para a moralidade]), o senhor alega que a existência de moralidade objetiva logicamente leva à conclusão de que Deus existe. Embora o argumento pareça muito forte, não está totalmente claro para mim.
No artigo, o senhor reivindica o seguinte:
Dizer que existem valores morais objetivos é afirmar que algo é certo ou errado a despeito de alguém acreditar ou não que seja. É dizer, por exemplo, que o antissemitismo nazista era moralmente errado, apesar de os nazistas que levaram a cabo o Holocausto acharem que era bom; e ainda continuaria a ser errado mesmo que os nazistas tivessem vencido a Segunda Guerra Mundial e conseguido ocasionar um extermínio, ou mesmo que tivessem feito lavagem cerebral em quem discordasse deles.
Todavia, mais adiante, o senhor faz a seguintes alegações.
Algo poderia ser mais óbvio do que o fato de valores morais objetivos existirem?
O fato é que realmente apreendemos valores objetivos, e todos temos consciência disso. Ações como estupro, tortura, abuso infantil e brutalidade não são apenas um comportamento social inaceitável — são abominações morais.
Primeiro, entendo que, se valores morais objetivos forem regras do que é certo e errado a despeito de quem acredite ou não que assim sejam, então as atrocidades nazistas eram moralmente erradas apesar de os nazistas acharem que eram boas. Assim, como pode o senhor dizer que “apreendemos valores objetivos, e todos temos consciência disso”? Como é possível admitir que “todos os conhecemos” visto que os nazistas, além de não os conhecerem, destruíram ou fizeram lavagem cerebral em todos quantos discordavam deles?
Segundo, se realmente apreendemos valores objetivos, e todos temos consciência disso, como podemos ter certeza de que a evolução não tem feito essa apreensão parecer para nós que esses valores são objetivos? Por exemplo, a maioria das pessoas vê uma jovem modelo como uma pessoa mais bonita do que uma anciã. Por que isso? Uma razão provável é que a jovem está no auge de sua aptidão reprodutiva. A aparência dela (fator de aproximação) se associa à sua aptidão reprodutiva (fator de finalidade) ao mesmo tempo em que nosso reconhecimento de beleza evolui. Reagimos à beleza, mas é a aptidão reprodutiva subjacente que dirige a evolução. Da mesma maneira, nossos valores morais (fator de aproximação) poderiam estar associados à aptidão reprodutiva do nosso grupo (fator de finalidade) à medida que evolui nosso reconhecimento de valores morais. Reagimos à moralidade, mas é a aptidão reprodutiva subjacente que dirige a evolução. Não consigo ver como é possível reconhecer de algum modo a moralidade como objetiva se nossas percepções têm sido coloridas pela associação inevitável entre os fatores evolutivos de aproximação e finalidade
Carmine


O artigo que você cita, Carmine, foi originalmente um trabalho que apresentei na reunião da Academia Americana de Religião [AAR]. Assim, com respeito à sua primeira pergunta, minha frase “todos temos consciência disso” tinha em vista incluir meus ouvintes, e de modo algum pretendia incluir um nazista imaginário. Além disso, uma vez que há sem dúvida alguns sujeitos na AAR que adotam o relativismo de forma velada, usou-se esse recurso retórico com a intenção de provocar a audiência. É como se eu dissesse: “Todos sabemos que devemos nos proteger do terrorismo” — embora os terroristas mesmos discordassem dessa declaração!
Na verdade, porém, eu não acho que os nazistas discordariam da declaração de que há valores morais objetivos. Eles apenas discordariam sobre quais seriam esses valores. Essa era a ideia da citação que li a respeito do livro de Peter Haas, Morality after Auschwitz [A moralidade depois de Auschwitz]:
[...] longe de desdenharem da ética, os perpetradores agiram em total conformidade com uma ética que sustentava que, por mais difícil e desagradável que a tarefa pudesse ser, o extermínio maciço de judeus e ciganos era plenamente justificável [...] o Holocausto, como esforço sustentado, só foi possível porque vigorava uma nova ética que não definia como erradas a prisão e a deportação de judeus; na verdade, considerava tais ações como eticamente toleráveis e absolutamente boas.
Precisamente de acordo com o argumento de Haas, os nazistas não eram relativistas morais nem niilistas, pelo contrário, eram objetivistas que tinha um sistema de valores diferente de nós que enxergamos todas as pessoas como intrinsecamente valiosas. Algo parecido poderia ser dito hoje dos terroristas islâmicos.
Assim, embora haja niilistas por perto, acho que você precisa olhar com muita atenção para achá-los. As pessoas podem defender o relativismo exteriormente, mas você vai ver que, se fizer poucas perguntas mais profundas, como “Então, você acha que o abuso de crianças não é nada demais e moralmente válido?”, vai descobrir que elas acreditam de fato em valores morais objetivos.
Agora, a sua segunda pergunta — “se realmente apreendemos valores objetivos, e todos temos consciência disso, como podemos ter certeza de que a evolução não tem feito essa apreensão parecer para nós que esses valores são objetivos?” — está um tanto mal formulada. Afinal, se REALMENTE apreendemos valores objetivos, e todos TEMOS CONSCIÊNCIA disso, então se conclui automaticamente que sabemos que a evolução não está apenas nos fazendo acreditar que esses valores são objetivos. (Caso contrário nós realmente não os apreendemos nem temos consciência disso). Você poderia dizer: “Sim, mas como podemos ter certeza?”. Defender a certeza acerca dessas questões já é algo que não faz parte de meu argumento. Há pouquíssimos assuntos na vida dos quais temos certeza. Tudo o que importa é que, depois de refletirmos criteriosamente sobre a questão dos valores morais e de pesar as alternativas, podemos chegar à conclusão de que, sim, é provável que valores morais objetivos realmente existam.
O que você está realmente perguntando, segundo acho, é: “Por que eu deveria pensar que existem valores morais objetivos e deixar de cogitar a hipótese de que a evolução me fez acreditar na ilusão de que existem valores morais objetivos?”. E a resposta a essa pergunta é: “Porque eu claramente apreendo valores morais objetivos e não tenho nenhuma boa razão para negar aquilo que eu percebo claramente.”
Essa é a mesma resposta que damos ao cético que diz: “Quem lhe garante que você não é apenas um corpo jazendo na Matrix ou que tudo quanto você vê e sente é uma realidade virtual ilusória?”. Não temos como ficar de fora dos nossos cinco sentidos e provar que eles são verídicos. Antes, eu apreendo claramente um mundo composto de pessoas, árvores e casas em torno de mim e não tenho nenhuma razão justificável para duvidar daquilo que percebo com clareza. Está certo, é possível que eu seja um corpo na Matrix. Todavia, essas possibilidades são mínimas, e a mera possibilidade em si não serve de garantia para negar aquilo que capto com nitidez.
Isso não quer dizer que às vezes não possamos ser enganados por nossos sentidos nem que algumas pessoas não tenham deficiências que as impeçam de apreenderem o mundo acuradamente. O fato é que isso não justifica o ceticismo total acerca da veracidade dos meus sentidos. De modo análogo, nosso senso moral não é infalível, e, em algumas pessoas, como os nazistas, está terrivelmente distorcido e obscurecido. O que não é justificativa para o ceticismo moral generalizado.
Então, evidentemente, a alegação do opositor aqui será a de que temos evidência consistente de que a evolução tem, de fato, determinado nossas percepções morais e, portanto, nos tem dado uma boa razão para duvidar dos vereditos de nosso senso moral. Mas, será verdade? Surgem duas questões a respeito dessa alegação.
Em primeiro lugar, inferir que, em virtude de a evolução nos ter programado a acreditar em certos valores, esses valores não são objetivos é uma falácia lógica. Esse foi o argumento que apresentei em um artigo contra Michael Ruse, quando eu disse:
O raciocínio de Ruse é, na pior das hipóteses, um exemplo de falácia genética num livro escolar, e, na melhor das hipóteses, só prova que a nossa percepção subjetiva de valores morais é fruto da evolução. Mas, se os valores morais forem descobertos gradualmente, não inventados, então essa apreensão gradual e falível do universo moral mina a realidade objetiva desse âmbito, tanto quanto a nossa percepção gradual e falível do mundo físico mina a objetividade desse outro âmbito.
A falácia genética está envolvida sempre que alguém procura invalidar uma visão explicando como tal visão se originou ou passou a ser adotada. As pessoas cometem essa falácia, por exemplo, quando rejeitam a sua crença na democracia dizendo: “Você só acredita nela porque nasceu numa sociedade democrática.” Essa pode ser, de fato, a razão por que você acredita num governo democrático, mas isso por si só não serve de nada para provar que a sua crença é falsa. (Compare: “Você crê que a terra é redonda só porque nasceu numa era científica!”. Isso torna a sua crença falsa?)
Seu exemplo da beleza como valor estético é uma ilustração perfeita do meu argumento. Suponhamos que, para fins de argumentação, a evolução programou os homens para enxergarem as mulheres jovens como mais bonitas do que as mulheres idosas por causa da vantagem seletiva para a espécie de acasalar com mulheres mais jovens. Será que isso serve de algum modo para provar que as mulheres mais jovens não são realmente mais bonitas (fisicamente) que as mulheres idosas, que não existe diferença objetiva entre beleza e feiura? Obviamente não! Valores estéticos objetivos podem existir a despeito de como passamos a apreendê-los.
Ora, pode ser que você diga: “Tudo bem. Vejo que valores morais objetivos podem existir mesmo que sejamos programados pela evolução para acreditar neles. Mas, ainda assim, por que eu deveria pensar que eles são objetivos, dado o histórico evolutivo?”. A resposta é: “Porque você os apreende claramente, e o histórico evolutivo lhe dá razão para duvidar do seu senso moral SOMENTE SE o naturalismo (ateísmo) for verdadeiro.” A objeção incorre em petição de princípio por pressupor que o naturalismo é verdadeiro. Concordo que, se Deus não existe, então nossa experiência moral é plausivelmente ilusória. Na verdade, foi o que eu disse em minha defesa da premissa (1) do argumento moral:
1. Se Deus não existe, valores morais objetivos não existem.
Mas por que achar que o naturalismo é verdadeiro? Para minar a garantia que nossa vivência moral infunde em nossas crenças morais é preciso fazer muito mais do que continuar a defender que o naturalismo é verdadeiro. Na ausência de algum argumento a favor do naturalismo, estou totalmente no gozo de meus direitos racionais para aferrar-me ao meu senso moral e aceitar a objetividade do âmbito moral. A verdadeira dificuldade, portanto, não é a evolução, mas o naturalismo.
Em segundo lugar, não há nenhuma evidência sólida de que a nossa percepção de valores morais e estéticos foi programada pela evolução. Os darwinistas são extremamente imaginativos e criativos para inventarem o que se apelidou de histórias “exatamente assim” com a finalidade de explicar, através da evolução, as coisas para que não existe evidência empírica. Na verdade, essas histórias são interminavelmente adaptáveis, de sorte que se tornam quase irrefutáveis e, por isso, não falsificáveis.
Considero que seu argumento sobre por que achamos as mulheres jovens mais bonitas (fisicamente) do que as mulheres idosas seja uma redução ao absurdo dessa abordagem. Por que cargas d’água eu deveria acreditar que a razão para eu achar que Claudia Schiffer é mais bonita que Madeleine Albright é porque aquela, e não esta, está mais perto do seu ápice de aptidão reprodutiva? Isso me parece absurdo. Que evidência há para assegurar conjectura tão absurda?
Na verdade, será que a evidência não aponta na direção contrária? Se é a aptidão reprodutiva que determina a nossa avaliação de beleza, então por que uma jovem com nariz enorme e lábio leporino não pareceria tão bonita para mim quanto uma modelo? As mulheres jovens consideradas feias são exatamente tão férteis quanto as bonitas. Portanto, que vantagem seletiva há em ser atraído por mulheres bonitas e não apenas por mulheres mais jovens? Ou, ainda, não é estranho que você, uma mulher, concorde comigo que a modelo jovem é mais bonita que a anciã, visto que você como mulher não pode obter nenhuma vantagem seletiva de tal juízo estético? Ainda que a evolução lhe programasse para achar que homens jovens são mais bonitos do que homens idosos, por que razão você também acharia a jovem modelo mais bonita (fisicamente) do que a mulher idosa? Sempre admiramos um cavalo árabe particularmente bonito ou um animal campeão numa exposição de cães. Como tais juízos podem ser explicados plausivelmente em razão da programação evolutiva, uma vez que julgamentos diferenciados de beleza em outros animais não têm para nós absolutamente nenhuma vantagem seletiva?
Tenho certeza de que, em razão da engenhosidade deles para inventarem histórias “exatamente assim”, os darwinistas podem descobrir como apresentar razões convincentes para tais anomalias. Mas por que acreditar nessas histórias? Deveríamos exigir alguma razão bastante forte para acharmos que a evolução tem, de fato, determinado nossos juízos morais e estéticos. Mas tal evidência não existe. Antes, suspeito que essas histórias “exatamente assim” são aceitas por tantas pessoas porque, com base na hipótese naturalista, parece natural supor que nossos gostos foram determinados pela vantagem seletiva deles mesmos. Todavia, surge, então, novamente a pergunta: por que devemos achar que o naturalismo é verdadeiro?
William Lane Craig
Originalmente publicado como: “Our Grasp of Objective Moral Values”. Texto disponível na íntegra em: http://www.reasonablefaith.org/our-grasp-of-objective-moral-values. Traduzido por Marcos Vasconcelos. Revisado por Mariú M. M. Lope


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quarta-feira, 15 de maio de 2013

Que relação existe entre ciência e religião?


Que relação existe entre ciência e religião?

William Lane Craig
Originalmente publicado como: “What is the Relation between Science and Religion?”. Texto disponível na íntegra em: http://www.reasonablefaith.org/what-is-the-relation-between-science-and-religion.
Traduzido por Marcos Vasconcelos. Revisado por Djair Dias Filho.


Em 1896, o presidente da Universidade Cornell, Andrew Dickson White, publicou um livro com o título A History of the Warfare of Science with Theology in Christedom [História da batalha da ciência com a teologia na cristandade]. Pela influência de White, a metáfora da “batalha” para descrever as relações entre a ciência e a fé cristã espalhou-se generalizadamente durante a primeira metade do século XX. Do ponto de vista cultural, a visão dominante no Ocidente — mesmo entre os cristãos — passou a ser que ciência e religião não estão aliadas na busca pela verdade, antes são adversárias.
Para dar um exemplo, alguns anos atrás debati com um filósofo da ciência na Universidade Simon Fraser, em Vancouver, Canadá, a respeito da pergunta: “Ciência e religião não são mutuamente afins?”. Ao caminhar pelo campus, vi que os estudantes que promoviam o debate tinham-no divulgado com grandes faixas e cartazes proclamando: “Ciência versus cristianismo”. Eles estavam perpetuando o mesmo tipo de mentalidade de guerra que Andrew Dickson White proclamou mais de cem anos atrás.
Mas o que aconteceu na segunda metade deste século é que historiadores e filósofos da ciência chegaram à compreensão de que a suposta história de guerra é um mito. Como Thaxton e Pearcey demonstram em seu livro recente, The Soul of Science [A alma da ciência], por mais de 300 anos, entre a ascensão da ciência moderna no século XVI até o final do século XIX, o relacionamento entre ciência e religião pode ser mais bem descrito como o de aliança. Até o final do século XIX, os cientistas eram tipicamente cristãos que não viam nenhum conflito entre a ciência e a fé deles — pessoas como Kepler, Boyle, Maxwell, Faraday, Kelvin e outros. A ideia de batalha entre a ciência e a religião é invenção relativamente recente do final do século XIX, alimentada zelosamente pelos pensadores seculares que almejavam solapar o domínio cultural do cristianismo no Ocidente e substituí-lo pelo naturalismo — a visão de que nada fora da natureza é real e de que a única maneira de descobrir a verdade é por meio da ciência. Eles foram muito bem-sucedidos em fazer prevalecer a sua agenda. Mas os filósofos da ciência, durante a segunda metade do século XX, compreenderam que a ideia de uma guerra entre ciência e teologia é flagrante banalização. O livro de White é considerado agora algo como uma piada mal contada, uma peça de propaganda unilateral e distorcida.
Agora, algumas pessoas reconhecem que ciência e religião não devem ser consideradas como inimigas, mas, apesar disso, também não entendem que devem ser consideradas como amigas. Elas afirmam que ciência e religião não são mutuamente afins, que representam dois domínios que não se sobrepõem. Às vezes ouvem-se slogans como: “Ciência lida com fatos; religião, com fé”. Mas isso é caricatura grotesca tanto da ciência como da religião. Ao sondar o universo, a ciência encontra problemas e questões de caráter filosófico que, por isso, não podem ser resolvidos cientificamente, mas podem ser iluminados por uma perspectiva teológica. Pelo mesmo critério, é simplesmente falso que a religião não faz afirmações factuais a respeito do mundo. As religiões do mundo apresentam alegações variadas e conflitantes sobre a origem e a natureza do universo e da humanidade, e não é possível que todas sejam verdadeiras. Ciência e religião, portanto, são como dois círculos que se cruzam ou se sobrepõem parcialmente; é numa área de intersecção que o diálogo acontece.
Além disso, desde o último quarto de século está em curso um florescente diálogo entre ciência e religião nos Estados Unidos e na Europa. Em discurso em uma conferência sobre a história e filosofia da termodinâmica, o notável físico britânico P. T. Landsberg passou a explorar de repente as implicações teológicas da teoria da ciência acerca da qual ele discutia e comentou que
Falar das implicações da ciência para a teologia numa reunião científica parece quebrar um tabu. Mas os que pensam assim estão desatualizados. Esse tabu foi removido ao longo dos últimos 15 anos e, ao falar sobre a interação entre ciência e teologia, estou, na verdade, indo com a maré.
Surgiram inúmeras sociedades para a promoção desse diálogo, como European Society for the Study of Science and Theology [Sociedade europeia para o estudo de ciência e teologia], Science and Religion Forum [Fórum sobre ciência e religião], Berkeley Center for Theology and Natural Science [Centro para teologia e ciência natural de Berkeley], e outros. De especial significado são as conferências atualmente patrocinadas pelo Centro de Berkeley e o Observatório do Vaticano, em que cientistas eminentes, como Stephen Hawking e Paul Davies, exploram as implicações da ciência para a teologia com notáveis teólogos como John Polkinghorne e Wolfhart Pannenberg. Não há apenas periódicos profissionais dedicados ao diálogo entre ciência e religião, como Zygon e Perspectives on Science and Christian Faith [Perspectivas sobre ciência e fé cristã], mas, mais significativamente, há periódicos seculares, como Nature e British Journal for the Philosophy of Science [Revista britânica de filosofia da ciência], que publicam artigos sobre as implicações mútuas da ciência e da teologia. A Fundação Templeton concede seu prêmio de um milhão de dólares em ciência e religião a notáveis pensadores integrativos, como Paul Davies, John Polkinghorne e George Ellis por seus trabalhos em ciência e religião. O diálogo entre ciência e teologia tornou-se tão significativo em nossos dias que tanto a Universidade de Cambridge como a Universidade de Oxford instituíram cátedras em ciência e teologia.
Partilho tudo isso para ilustrar uma questão. Os camaradas que acham que ciência e religião nada têm uma com a outra precisam entender que o gato já escapou do saco, e suponho que há pouquíssimas possibilidades de enfiá-lo de novo lá. Ciência e religião descobriram que têm interesses mútuos importantes e contribuições relevantes para fazer um ao outro, e quem não gosta disso pode optar por não tomar parte no diálogo; isso não o encerrará nem revelará que não tenha sentido.
Portanto, vamos explorar juntos as maneiras pelas quais ciência e religião servem como aliadas na busca pela verdade. Permitam-me considerar seis modos como ciência e religião são relevantes uma para outra, começando da mais geral para a mais particular.
1. A religião fornece a estrutura conceitual em que a ciência pode florescer. A ciência não é algo natural à humanidade. Como salientou o escritor de ciência Loren Eiseley, a ciência é “uma instituição cultural inventada” que exige um “solo singular” para florescer.1 Embora lampejos de ciência tenham aparecido entre os antigos gregos e chineses, a ciência moderna é filha da civilização europeia. Por que é assim? Isso se deve à exclusiva contribuição da fé cristã à cultura ocidental. Pois, como declara Eiseley, “é o mundo cristão que deu finalmente à luz de maneira clara e articulada o método experimental da própria ciência”.2 Em contraste com as religiões panteístas e animistas, o cristianismo não via o mundo como divino nem habitado por espíritos, mas, ao contrário, como produto natural de um Criador transcendente que o projetou e trouxe à existência. Assim, o mundo é um lugar racional, aberto à exploração e descoberta.
Além disso, a totalidade do empreendimento científico fundamenta-se em certos pressupostos que não podem ser provados cientificamente, mas são assegurados pela cosmovisão cristã; por exemplo: as leis da lógica, a natureza ordenada do mundo exterior, a confiabilidade de nossas faculdades cognitivas em conhecer o mundo e a objetividade dos valores morais usados na ciência. Quero salientar que a ciência sequer poderia existir sem esses pressupostos; todavia, não podem ser provados cientificamente. São pressupostos científicos que, curiosamente, são parte integrante da cosmovisão cristã. Assim, a religião é relevante para a ciência por poder fornecer uma estrutura conceitual na qual a ciência pode existir. Mais do que isso, a religião cristã historicamente forneceu de fato o arcabouço conceitual no qual a ciência moderna nasceu e foi nutrida.
2. A ciência é capaz tanto de contestar como de confirmar as afirmações da religião. Quando as religiões fazem alegações a respeito do mundo natural, elas cruzam o domínio da ciência e estão efetivamente fazendo predições que a investigação científica tanto pode confirmar quanto pode contestar. Deixem-me apresentar alguns exemplos de cada caso.
Primeiro, exemplos de refutação. Alguns exemplos são óbvios. As visões das antigas religiões grega e indiana segundo as quais o céu repousava nos ombros de Atlas ou o que mundo se firmava nas costas de uma imensa tartaruga foram facilmente desmentidas. Mas há também exemplos mais sutis.
Um dos casos mais notáveis foi a condenação de Galileu pela igreja medieval, em razão de ele afirmar que a Terra girava em torno do sol e não o sol em torno da Terra. Com base na interpretação equivocada de certas passagens bíblicas, como Salmos 93.1: “O mundo está firme, não será abalado”, os teólogos medievais negavam que a Terra se movesse. A prova científica finalmente contestou essa hipótese, e a igreja final e tardiamente veio a admitir seu erro.
Outro exemplo interessante em que a ciência refuta uma perspectiva religiosa é a afirmação de várias religiões orientais, como o taoísmo e certas formas de hinduísmo, de que o mundo é divino e, portanto, eterno. No presente século, a descoberta da expansão do universo releva que, longe de ser eterna, toda matéria e energia, e até mesmo o próprio espaço físico e o tempo, vieram a existir em determinado ponto do passado finito antes do qual nada existia. Como afirma Stephen Hawking no seu livro de 1996, The Nature of Space and Time [A natureza do espaço e do tempo], “quase todos acreditam agora que o universo, e o próprio tempo, teve começo no big bang”.3 Mas, se o universo veio à existência no big bang, então é temporalmente finito e contingente na sua existência e, portanto, não é eterno nem divino, como afirmavam as religiões panteístas.
Por outro lado, a ciência pode também confirmar as afirmações religiosas. Por exemplo, uma das principais doutrinas da fé judaico-cristã é que Deus criou o universo do nada num tempo finito do passado. A Bíblia começa com as palavras: “No princípio, Deus criou os céus e a terra” (Gn 1.1). A Bíblia, portanto, ensina que o universo teve um começo. Esse ensinamento foi repudiado tanto pela filosofia grega como pelo ateísmo moderno, inclusive pelo materialismo dialético. Assim, em 1929, com a descoberta da expansão do universo, essa doutrina foi radicalmente confirmada. Ao falarem sobre o começo do universo, os físicos John Barrow e Frank Tipler explicam: “Nessa singularidade, espaço e tempo vieram à existência; literalmente, nada existia antes da singularidade, assim, se o universo se originou em tal singularidade, poderíamos ter verdadeiramente uma criação ex nihilo (do nada)”.4 Contrariamente a toda expectativa, a ciência, portanto, confirmou essa predição religiosa. Robert Jastrow, diretor do Instituto Goddard para Estudos Espaciais, da NASA, a vislumbra da seguinte maneira:
[O cientista] escalou as montanhas da ignorância; está para conquistar o cume mais alto; ao galgar por sobre a última rocha, é recebido por um bando de teólogos que estão sentados lá em cima há séculos.5
Uma segunda confirmação científica da fé religiosa é a afirmação das grandes religiões monoteístas de que o mundo é fruto de um projeto inteligente. Os cientistas pensavam originalmente que, a despeito de quais tenham sido as condições iniciais do universo, ele finalmente evoluiria nas formas de vida complexas que vemos hoje. Mas, durante os últimos 40 anos ou mais, os cientistas têm ficado aturdidos pela descoberta de quão complexo e minucioso tem de ser o equilíbrio das condições iniciais dadas no big bang para permitir a origem e a evolução da vida inteligente no cosmos. Nos diferentes campos da física e astrofísica, cosmologia clássica, mecânica quântica e bioquímica, as descobertas têm repetidamente revelado que a existência de vida inteligente depende do equilíbrio delicado de constantes e grandezas físicas. Se qualquer uma delas fosse levemente alterada, o equilíbrio seria destruído e não existiria vida. De fato, desde o instante do seu começo, o universo parece ter sido incompreensivelmente ajustado com precisão absoluta para a produção de vida inteligente. Sabemos agora que universos desfavoráveis à vida são muitíssimo mais prováveis do que qualquer universo favorável à vida, como o nosso. Quão mais prováveis?
A resposta é que as possibilidades para o universo ser favorável à vida são tão infinitesimais quanto incompreensíveis e incalculáveis. Por exemplo, Stephen Hawking estimou que, se a velocidade de expansão do universo um segundo após o big bang tivesse sido menor do que uma parte em cem mil trilhões, o universo teria reimplodido numa bola de fogo.6 P. C. W. Davies calculou que as probabilidades contrárias às condições iniciais serem apropriadas à formação estelar posterior (sem a qual os planetas não poderiam existir) são, pelo menos, de dez mil quintilhões (ou o número um seguido de 22 zeros).7 Ele também estima que uma mudança na força de gravidade ou o enfraquecimento de apenas uma parte em 10100 teria impedido a existência de um universo favorável à vida.8 Está presente no big bang uma grande variedade de constantes e valores dessa ordem que têm de ser ajustados precisamente assim para que o universo permita a existência de vida. Portanto, improbabilidade é multiplicada por improbabilidade até que nossa mente fique confusa em meio a números incompreensíveis.
Não há razão física pela qual essas constantes e grandezas possuam os valores que possuem. O físico ex-agnóstico Paul Davies comenta: “Ao longo do meu labor científico, passei a acreditar com convicção cada vez maior que o universo físico está agregado com engenhosidade tão extraordinária que não consegui aceitá-la meramente como fato bruto”.9 Semelhantemente, Fred Hoyle observa: “A interpretação dos fatos pelo senso comum sugere que um superintelecto tem feito traquinices com a física”.10
A nossa descoberta do ajuste fino do big bang favorável à vida inteligente é como a de alguém se arrastando penosamente através do Deserto de Gobi e que, ao contornar uma duna de areia, dá de cara com um arranha-céu do tamanho do Empire State Building. Descartaríamos acertadamente como loucura a sugestão de que ele se erguera ali por acaso. E consideraríamos igualmente insana a ideia de que qualquer combinação de partículas de areia nesse lugar é improvável e, portanto, não há nada para ser explicado.
Por que isso? Porque o arranha-céu manifesta uma complexidade que não está presente nas combinações aleatórias de areia. Mas por que a complexidade do edifício nos impacta como especial? John Leslie afirma que é porque há uma explicação evidente para essa construção complexa, não sugerida por uma mera combinação aleatória de grãos de areia, ou seja, o projeto inteligente.11 Da mesma maneira, conclui Leslie, o ajuste fino e preciso das condições iniciais do universo favorável à vida aponta a explicação notável do projeto inteligente.
Assim, a ciência tanto pode contestar como confirmar as reivindicações da religião.
3. A ciência encontra problemas metafísicos que a religião pode ajudar a resolver. A ciência tem uma sede insaciável pela explicação. Mas, no final, ela esgota o limite de sua capacidade explanatória. Por exemplo, ao explicar por que existem várias coisas no universo, a ciência defronta-se numa última análise com a questão da existência do próprio universo. Note-se que é indispensável que seja uma indagação a respeito da existência temporal do universo. Mesmo que o espaço-tempo não tenha começo nem fim, ainda assim podemos questionar por que ele existe. O físico David Park pondera: “Quanto à razão por que existe o espaço-tempo, isso se evidencia como uma pergunta científica perfeitamente boa, mas ninguém sabe como respondê-la”.12
Nesse ponto, a teologia pode ajudar. Os teístas tradicionais entendem Deus como um ser cuja inexistência é impossível e que é o Criador do mundo contingente de espaço e tempo. Portanto, quem acredita em Deus dispõe dos recursos para matar a sede da ciência pela explicação definitiva. Podemos apresentar esse arrazoado na forma de um argumento simples:
1. Tudo que existe tem uma explicação para a sua existência (tanto pela necessidade da sua própria natureza quanto por causas externas).
2. Se o universo tem uma explicação para a sua existência, essa explicação é Deus.
3. O universo existe.
4. Logo, a explicação para a existência do universo é Deus.
4. A religião pode ajudar a decidir entre teorias científicas. Lawrence Sklar, notável filósofo da ciência, destaca que “a adoção de uma teoria científica em lugar de outra, às vezes em casos realmente cruciais, fundamenta-se principalmente tanto em [...] pressupostos filosóficos como em dados concretos [...]”.13 De maneira especial nos casos em que duas teorias conflitantes são empiricamente equivalentes, de sorte que não é possível escolher entre elas com base nas evidências, os interesses metafísicos, inclusive os interesses religiosos, entram em jogo.
Um exemplo excelente é a teoria especial da relatividade. Há duas maneiras de interpretar o núcleo matemático da relatividade especial. Segundo a interpretação de Einstein, não existe um “agora” absoluto no mundo; antes, o agora é relativo a diferentes observadores em movimento. Se eu e você estamos nos movendo em relação um ao outro, então, o que é agora para mim não é agora para você. Mas, de acordo com a interpretação de H. A. Lorentz, existe um agora absoluto no mundo, mas só não podemos ter certeza de quais eventos no mundo estão ocorrendo agora, porque o movimento afeta nossos instrumentos de medição. Relógios em movimento funcionam devagar e os instrumentos de medição se contraem quando em movimento. As interpretações einsteinianas e lorentzianas são empiricamente equivalentes; não seria possível realizar nenhuma experiência para decidir entre elas.14 Mas quero afirmar que, se Deus existe, Lorentz estava certo. Eis minha argumentação:
1. Se Deus existe, então Deus está no tempo.
Isso é verdadeiro porque Deus está realmente relacionado ao mundo como a causa para o efeito. Mas a causa de um efeito temporal deve existir antes ou ao mesmo tempo em que seu efeito. Portanto, Deus tem de estar no tempo.
2. Se Deus está no tempo, então existe um observador privilegiado.
Uma vez que Deus transcende o mundo e é a causa da existência de tudo no mundo, a sua perspectiva acerca do mundo é a verdadeira.
3. Se existe um observador privilegiado, então existe um agora absoluto.
Visto que Deus é um observador privilegiado, o seu “agora” é privilegiado. Assim, existe um agora absoluto, exatamente como alegava Lorentz.
Essa é de fato uma conclusão espantosa. Mas estou firmemente convencido de que, se Deus existe, então a teoria da relatividade lorentziana está certa, e não a einsteiniana. É difícil de imaginar de que maneira a religião poderia ter alguma relevância maior do que essa para a ciência, para mostrar que uma teoria está errada e a outra, certa.
5. A religião pode ampliar a capacidade explanatória da ciência. Um dos pilares da visão científica contemporânea do mundo é a evolução da complexidade biológica a partir de formas de vidas mais primitivas. Desastrosamente, a síntese neodarwinista atual parece apresentar explicação deficiente para esclarecer o surgimento gradual da complexidade biológica. Em primeiro lugar, os mecanismos neodarwinistas de mutação aleatória e seleção natural funcionam demasiadamente devagar para produzir, sem ajuda, vida senciente. Em seu princípio cosmológico antrópico, Barrow e Tipler listam dez fases na evolução do Homo sapiens, incluindo estágios como o código genético baseado no DNA, a origem da mitocôndria, a origem da fotossíntese, o desenvolvimento da respiração aeróbica, e assim por diante, cada um deles tão improvável que, antes que tivessem ocorrido, o sol teria deixado de ser uma estrela de sequência principal e incinerado a terra.15 Eles relatam que, “entre os evolucionistas, desenvolveu-se o consenso geral de que a evolução da vida inteligente, comparável em capacidade de processamento de informação à do Homo sapiens, é tão improvável que parece não ser possível de ter ocorrido em nenhum planeta de todo o universo visível”.16 Mas, se assim for, não se pode deixar de imaginar por que, sem um compromisso com o naturalismo, deveríamos pensar que ela se desenvolveu por acaso, sem auxílio, neste planeta? Em segundo lugar, a mutação aleatória e seleção natural não conseguem explicar a origem de sistemas complexos irredutíveis. Em seu recente livro Darwin’s Black Box [A caixa preta de Darwin], o microbiologista Michael Behe explica que certos sistemas celulares, como os cílios das células ou o sistema de transporte de proteínas, são como máquinas microscópicas incrivelmente complicadas que só funcionam se todas as partes estiverem presentes e em operação.17 Dentro da síntese neodarwinista não há o entendimento de como esses sistemas complexos irredutíveis sejam capazes de evoluir por mutação aleatória e seleção natural. Quanto a eles, a teoria evolucionária atual tem capacidade explanatória nula. De acordo com Behe, porém, há uma explicação familiar adequada responsável pela complexidade irredutível, uma que, em outros contextos, empregamos sem a menor hesitação: projeto inteligente. “A vida na Terra, em seu nível mais fundamental, em seus componentes mais básicos”, conclui ele, “é produto de atividade inteligente”.18 A evolução gradual da complexidade biológica é mais bem explicada se houver uma causa inteligente por trás do processo, em vez de somente mecanismos cegos isolados. Assim, o teísta dispõe de recursos explanatórios que faltam ao naturalista.
6. A ciência pode estabelecer uma premissa num argumento que tenha conclusão com importância religiosa. O teólogo medieval Tomás de Aquino pressupunha sempre a eternidade do universo em todas as suas discussões a favor da existência de Deus, visto que assumir a existência inicial do universo facilitava demais as coisas para o teísta. “Se o mundo e o movimento tiveram um começo”, disse ele, “alguma causa tem de ser claramente postulada para essa origem do mundo e do movimento” (Summa contra gentiles 1.13.30). Além disso, simplesmente não havia nenhum modo empírico de provar a finitude passada do universo durante a Idade Média. Mas a aplicação da teoria geral da relatividade à cosmologia e a descoberta da expansão do universo no presente século parecem ter deixado cair no colo do teólogo filosófico exatamente a premissa que faltava a um argumento vitorioso a favor da existência de Deus. Agora, portanto, ele pode argumentar da seguinte maneira:
1. Tudo que começa a existir tem uma causa.
2. O universo começou a existir.
3. Logo, o universo tem uma causa.
A premissa (2) é uma declaração neutra do ponto de vista religioso e pode ser encontrada em quase qualquer texto sobre astronomia e astrofísica. Todavia, ele coloca o ateu numa situação desconfortável. Porque, assim como insta Anthony Kenny da Universidade de Oxford, “o proponente da teoria do big bang, ao menos se for ateu, tem de acreditar que [...] o universo veio do nada e sem nenhuma razão”.19
Mas, certamente, isso é impossível na perspectiva metafísica. Do nada, nada surge. Então, por que o universo existe em vez de exatamente nada? É plausível que deve ter havido uma causa que trouxe o universo à existência. Ora, pela própria natureza do caso, como a causa do espaço e do tempo, essa causa tem de ser um ser incausado, imutável, atemporal e imaterial com poder inimaginável, o qual criou o universo. Além disso, eu afirmaria, ele deve ser também pessoal. Por que outra razão uma causa atemporal faria surgir um efeito temporal como o universo? Se a causa fosse um conjunto de condições suficientes e necessárias, então a causa jamais poderia existir sem o efeito. Se a causa fosse eternamente presente, então o efeito também seria eternamente presente. A única maneira para que a causa seja atemporal e o efeito comece no tempo é a causa ser um agente pessoal que decide livremente criar um efeito no tempo sem qualquer condição determinante anterior. Assim, somos levados não meramente à causa transcendente do universo, mas ao seu criador pessoal.
Tudo isso não é para formular um juízo simplista e ingênuo, como “A ciência prova que Deus existe”, mas significa afirmar que a ciência pode estabelecer a verdade de uma premissa num argumento que tenha conclusão com importância religiosa.
Resumindo, vimos seis modos diferentes pelos quais ciência e religião são mutuamente relevantes:
1. A religião fornece a estrutura conceitual em que a ciência pode florescer.
2. A ciência é capaz tanto de contestar como de confirmar as afirmações da religião.
3. A ciência encontra problemas metafísicos que a religião pode ajudar a resolver.
4. A religião pode ajudar a decidir entre teorias científicas.
5. A religião pode ampliar a capacidade explanatória da ciência.
6. A ciência pode estabelecer uma premissa num argumento que tenha conclusão com importância religiosa.
Portanto, em conclusão, vimos que não se deve considerar ciência e religião como inimigos ou mutuamente irrelevantes. Antes, ao contrário, vimos várias maneiras pelas quais elas podem interagir frutiferamente. Afinal, é por isso que está hoje em curso um florescente diálogo entre essas duas disciplinas.

 Notas
1 Loren Eiseley, “Francis Bacon”, in The Horizon Book of Makers of Modern Thought (Nova Iorque: American Heritage Publishing, 1972), pp. 95-96.
2 Loren Eiseley, Darwin’s Century (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1958), p. 62. Devo a Eiseley as referências a Nancy Pearcey e Charles Thaxton, The Soul of Science [Wheaton, Ill.: Crossway Books, 1994 (publicado em português com o título A alma da ciência. São Paulo: Cultura Cristã, 2005)].
3 Stephen Hawking e Roger Penrose, The Nature of Space and Time, The Isaac Newton Institute Series of Lectures (Princeton, N.J.: Princeton University Press, 1996), p. 20.
4 John Barrow e Frank Tipler, The Anthropic Cosmological Principle (Oxford: Clarendon Press, 1986), p. 442.
5 Robert Jastrow, God and the Astronomers (Nova Iorque: W. W. Norton, 1978), p. 116.
6 Stephen W. Hawking, A Brief History of Time (Nova Iorque: Bantam Books, 1988), p. 123 [publicado em português com o título Uma breve história do tempo. Rio de Janeiro: Rocco, 1988].
7 P. C. W. Davies, Other Worlds (Londres: Dent, 1980), pp. 160-61, 168-69.
8 P. C. W. Davies, “The Anthropic Principle”, in Particle and Nuclear Physics 10 (1983): 28.
9 Paul Davies, The Mind of God (Nova Iorque: Simon & Schuster: 1992), p. 16.
10 Fred Hoyle, “The Universe: Past and Present Reflections”, Engineering and Science (novembro/1981), p. 12.
11 John Leslie, Universes (Londres: Routledge, 1989), pp. 10, 121.
12 David Park, The Image of Eternity (Amherst: University of Massachusetts Press, 1980), p. 84.
13 Lawrence Sklar, Space, Time, and Spacetime (Berkeley: University of California Press, 1976), p. 417.
14 Na verdade, essa declaração precisa ser esclarecida, pois, como resultado dos experimentos de Alain Aspect verificando as predições da mecânica quântica com respeito ao teorema de Bell, temos agora fundamentos empíricos substanciais para ratificar as relações de simultaneidade absoluta entre eventos distantes, confirmando assim a interpretação lorentziana.
15 Barrow e Tipler, Anthropic Cosmological Principle, pp. 561-65.
16 Ibid., p. 133.
17 Michael J. Behe, Darwin’s Black Box (Nova Iorque: Free Press, 1996) [publicado em português com o título A caixa preta de Darwin. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997].
18 Ibid., p. 193.
19 Anthony Kenny, The Five Ways: St. Thomas Aquinas Proofs of God’s Existence (Nova Iorque: Schocken Books, 1969), p. 66.


 

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