segunda-feira, 29 de abril de 2013

Por que nós ensinamos aos nossos filhos que Deus existe


   O texto abaixo é interessantíssimo, embora um pouco longo, mas tenha paciência, pois o conteúdo é compensador. Para que não haja dúvida: a primeira parte é uma pergunta dirigida ao Dr. Willian Lane Craig, filósofo e teólogo e, a seguir a resposta. Leiam, realmente vale a pena!

   


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Por que nós ensinamos aos nossos filhos que Deus existe

Caro Dr. Craig,
Obrigado por todo o trabalho que você realiza em nome de Cristo. Eu fiquei chocado com um artigo em posição de destaque no site de notícias CNN.com de uma mãe do Texas intitulado: "Por que estou criando os meus filhos sem Deus." O artigo já foi visto por mais de 500.000 pessoas no site. Eu postei as razões da mãe abaixo e gostaria de saber se você poderia comentar a respeito do conteúdo do artigo (eu sei que isso é atípico, mas o apoio que ela vem recebendo tem sido espantoso):
Quando o meu filho tinha cerca de 3 anos de idade, ele costumava fazer um monte de perguntas sobre o céu. Onde fica? Como as pessoas andam sem corpos? Como vou encontrar você lá? Perguntas típicas de crianças.
Por mais de um ano, eu menti para ele e inventei histórias que eu não acreditava sobre o céu. Como a maioria dos pais, eu amo tanto o meu filho que eu não queria que ele se assustasse. Eu queria que ele se sentisse seguro e amado e cheio de esperança. Mas para conseguir isso, eu teria de ficar inventando coisas, e eu teria de fazer lavagem cerebral nele de modo a fazer com que ele acreditasse em histórias sem sentido, histórias que eu também não acredito.
Um dia ele descobriria isso e não confiaria mais no meu julgamento. Ele saberia que eu construí uma história não verídica – que não é muito diferente de dizer às crianças que o Papai Noel existe – para explicar a lenda inconsistente e ilógica de Deus.
E então eu cheguei à conclusão de que a única coisa correta a se fazer era ser honesta com os meus filhos. Eu não acredito em Deus, e por anos eu tenho estado fora do padrão da minha comunidade. Como blogueira, contudo, eu descobri que há muitos outros pais como eu por aí. Estamos criando a próxima geração de crianças, e há uma onda de jovens agnósticos, ateus, livres pensadores e humanistas ganhando influência e que, esperamos, irão fazer baixar a febre religiosa da nossa nação.
Aqui estão algumas das razões pelas quais eu estou criando meus filhos sem Deus.
Deus é um pai e um modelo ruins.
Se Deus é nosso pai, então ele não é um bom pai. Bons pais não permitem que seus filhos inflijam danos uns aos outros. Pessoas boas não ficam paradas assistindo a atos horríveis cometidos contra inocentes, homens, mulheres e crianças. Elas não toleram violência e abuso. "Ele nos deu o livre-arbítrio," você diz? Nossas crianças têm livre-arbítrio, mas ainda assim intervimos e as orientamos.
Deus não é lógico.
Quantas vezes você já ouviu: "Por que Deus permitiu que isso acontecesse?" E isto: "Não é para nos entender." Traduzindo: Nós não entendemos, por isso não vamos pensar ou lidar com a questão. Tomemos como exemplo a tragédia sem sentido em Newtown. Ao invés de resolver o problema das armas nos EUA, querem passar a responsabilidade para Deus. Ele tinha um motivo. Ele queria mais anjos. Só ele sabe por quê. Nós escrevemos poemas sobre como nós pedimos a Deus que Ele se retirasse de nossas escolas. Agora ele está nos fazendo pagar o preço. Se há um Deus bom, onisciente e todo-poderoso que ama seus filhos, faz sentido que ele permita assassinatos, abuso infantil, guerras, espancamentos brutais, tortura e milhões de atos hediondos a serem cometidos ao longo da história da humanidade? Isso não vai contra tudo o que Cristo nos ensinou no Novo Testamento?
A pergunta que devemos nos fazer é: "Por que nós permitimos que isso aconteça?" Como podemos resolver isso? Nenhuma pessoa imaginária vai nos dar as respostas ou dizer-nos por quê. Somente nós temos a capacidade de ser lógicos e de resolver problemas, e não deveríamos passar essas responsabilidades para "Deus" só porque um tópico é difícil ou desconfortável de se resolver.
Deus não é justo.
Se Deus é justo, então por que ele responde às orações tolas de alguns, enquanto permite que pedidos sérios fiquem sem resposta? Já conheci pessoas que rezaram para consiguir dinheiro para comprar mobiliário novo. (Respondido.) Já conheci pessoas que rezaram para Deus ajudá-los a vencer uma partida de futebol. (Respondido.) Por que as orações dos pais com filhos morrendo de câncer não são respondidas?
Se Deus é justo, então por que alguns bebês nascem com defeitos cardíacos, autismo, membros amputados ou siameses? Claramente, nem todos os homens são criados iguais. Por que um homem de bem é agredido sem sentido na rua enquanto um homem mau fica muito rico tirando vantagem dos outros? Isso não é justo. Um criador de um jogo que permite que a sorte governe a existência humana não criou um jogo justo.
Deus não proteger os inocentes.
Ele não mantém as nossas crianças protegidas. Enquanto sociedade, nós nos manifestamos em favor daqueles que não tem condições de fazer isso por conta própria. Nós protegemos nossos pequeninos, tanto quanto possível. Quando uma criança é sequestrada, trabalhamos juntos para encontrar a criança. Nós não toleramos o abuso e a negligência. Por que Deus não pode, com todos os Seus poderes de onipotência, proteger os inocentes?
Deus não está presente.
Ele não está aqui. Não faz sentido dizer aos nossos filhos que eles devem amar uma pessoa que eles não podem ver, cheirar, tocar ou ouvir. Isso significa que nós ensinamos as crianças a amar uma imagem, uma imagem que vive apenas em suas imaginações. De fato, o que lhes ensinamos é a amar uma idéia que criamos, que é baseada em nossos medos e em nossas esperanças.
Deus não ensina as crianças a serem boas.
A criança deve fazer escolhas morais pelas razões corretas. Ao dizer-lhe que ela deve se comportar bem porque Deus a está observando, isso leva a sua moralidade a se estruturar externamente, ao invés de internamente. É como dizer a uma criança que, se ela não se comportar, o Papai Noel não trará presentes. Ao retirarmos Deus da história, a responsabilidade de fazer a coisa correta é colocada nos ombros dos nossos filhos. Não, eles não irão para o céu ou reinarão sobre os seus próprios planetas quando morrerem, mas eles podem dormir melhor à noite. Eles orgulharão a sua família. Eles se sentirão melhor a respeito de quem eles são. Eles serão pessoas decentes.
Deus ensina narcisismo.
"Deus tem um plano para você." Dizer às crianças que há um cara grande no céu que tem um plano especial para elas torna as crianças narcisistas; faz com que elas pensem que o mundo está à disposição delas e que, não importa o que aconteça, realmente não importa, porque Deus está no controle. Isso dá às crianças uma sensação de falsa segurança e cria egoísmo. "Não importa o que eu faça, Deus me ama e me perdoa. Ele sabe o meu propósito. Eu sou especial". A ironia é que, enquanto nós contamos essa história para os nossos filhos, outras crianças são abusadas e assassinadas, estão famintas e negligenciadas. Isso tudo é parte do plano de Deus, correto?
Quando criamos nossos filhos sem Deus, dizemos-lhes a verdade – não somos mais especiais do que as outras criaturas. Somos apenas uma parte muito, muito pequena de um máquina grande, muito grande; seja essa máquina a natureza ou a sociedade, a nossa influência é minúscula. A aceitação de nossa insignificância nos dá um verdadeiro sentido de humildade.
Eu entendo por que as pessoas precisam de Deus. Eu entendo por que as pessoas precisam de céu. É aterrador pensar que estamos todos sozinhos neste universo, que um dia nós – junto com os filhos que tanto amamos – deixaremos de existir. A idéia de Deus e de vida após a morte dá a muitos de nós estrutura, comunidade e esperança.
Eu não quero que a religião desapareça. Eu somente quero que a religião seja mantida em casa ou na igreja, que é onde ela pertence. É algo pessoal, como uma escova de dentes ou um par de sapatos. Não é algo para ser utilizado ou gasto por estranhos. Eu quero que meus filhos sejam livres para não acreditar e quero que as nossas escolas e o nosso governo tomem decisões com base no que é lógico, justo e correto – não no que eles acreditam que um Deus imaginário quer.
Obrigado, mais uma vez, por todo o seu trabalho duro.
Atenciosamente,
Eric
United States


Jan e eu ensinamos aos nossos filhos que Deus existe; de fato, que o Deus cristão existe. Por quê? Porque nós queríamos ensinar-lhes a verdade. Pela mesma razão, Jan e eu não mentimos para os nossos filhos sobre o Papai Noel. Dissemos-lhes que o Papai Noel (ou Père Noel, uma vez que eles foram criados na Bélgica) era uma figura divertida, de faz de conta, e que poderíamos fazer de conta que ele trazia presentes na época do Natal. Era tudo brincadeira, nada além disso. O Natal dizia respeito, principalmente, ao nascimento de uma pessoa histórica que realmente viveu – Jesus de Nazaré, que nos revelou como Deus é, morreu pelos nossos pecados e ressuscitou dos mortos. Caso eles fizessem alguma pergunta, estávamos preparados para, num estalar de dedos, discutir as razões pelas quais acreditamos nessas coisas. Nenhuma pergunta era desencorajada, o exame crítico era incentivado.
Acreditamos que o cristianismo é verdadeiro. Então, como poderíamos não ensiná-lo aos nossos filhos? Tentar separar as crianças do amor de Deus e da vida eterna seria a pior forma de abuso infantil concebível. O erro fundamental da mãe que escreveu o artigo acima é pensar que, quando "criamos os filhos sem Deus, nós lhes dizemos a verdade." Será que dizemos? Eu acho, pelo contrário, que, ao fazermos isso, nós os desviamos para o que falso. Então, a questão toda pode ser resumida através da seguinte pergunta: o cristianismo é verdadeiro? Bom, que razões essa mãe apresenta para que pensemos que não é? Vejamos brevemente uma de cada vez.
Deus é um pai e um modelo ruins. Essa acusação presume que Deus deva servir de modelo para a paternidade. Mas, enquanto existem analogias entre Deus como nosso Pai celestial e como um pai humano, as diferenças entre esses dois conceitos são tão grandes que minam a suposição de que Deus deva servir como um modelo para os pais humanos. Em primeiro lugar, a analogia deveria ser entre nós e nossos filhos adultos, e, nesse caso, nós deixamos que eles tomem as suas próprias decisões livremente, sem interferência. Mas, mesmo assim, a analogia não é totalmente adequada, pois nós e nossos filhos somos iguais, enquanto Deus é o nosso Criador e Soberano. Um pai humano que se considerasse o fim último da existência de seus filhos seria egomaníaco. Mas o Deus infinito, que é o locus da bondade e do amor, é o fim adequado de todos os seres (até de Si mesmo!), o summum bonum (o bem maior). Eu estou encarregado da educação moral e espiritual dos meus filhos; mas Deus está envolvido na atração de todas as pessoas livremente ao conhecimento salvador de Si. Não é de todo improvável que apenas num mundo repleto de males naturais e morais o número máximo de pessoas venha livremente a conhecê-Lo e a conhecer a Sua salvação. Estou atrelado a certas obrigações morais e proibições em relação aos meus filhos (por exemplo, não feri-los), mas Deus (se é que Ele tem obrigações morais) não está vinculado a muitas delas (por exemplo, Ele pode dar e tirar a vida como quiser). Deus pode pedir-me para suportar sofrimentos terríveis (embora não sem recompensa!), a fim de que outros possam livremente encontrar a vida eterna.
Deus não é lógico. Essa mãe não está, obviamente, ciente de que a versão lógica do problema do mal é atualmente reconhecida como falida até mesmo pelos filósofos ateus e agnósticos. (Veja a discussão sobre o problema do mal nos meu livro Filosofia e Cosmovisão Cristã.) Quando dizemos que não entendemos por que Deus permitiu determinado sofrimento específico, não é porque nós nos recusamos a "pensar ou lidar com esse problema." Pelo contrário, é porque sabemos que não estamos em posição de fazer, com qualquer grau de confiança, avaliação sobre por que Deus permitiu esse incidente específico. Sua razão moralmente suficiente para permitir algum caso específico de sofrimento pode não emergir até centenas de anos a partir de agora, ou talvez em outro país. Cada evento produz um efeito cascata através da história de tal forma que é impossível, para pessoas finitas limitadas no tempo e no espaço, prever quais são as suas conseqüências. Assim, o melhor a fazer é ter a humildade intelectual de dizer que nós não sabemos a razão específica por que Deus permitiu algum caso específico de sofrimento. O que podemos mostrar é que a ocorrência de tal sofrimento não é, como o ateu presunçosamente afirma, incompatível nem improvável em relação à existência de Deus
Obviamente, ninguém está defendendo que devemos abdicar da nossa responsabilidade de mitigar ou de eliminar os males que afligem o nosso mundo. Pelo contrário, os cristãos têm liderado as lutas contra a escravidão, a pobreza, a doença, a ignorância e os males que afligem o nosso mundo. O que os ateus têm feito por nós ultimamente?
Deus não é justo. Isso é apenas choradeira infantil. A vida não é justa. Acostume-se com isso. Deus não tem nenhuma obrigação de ser "justo". (Deus não é o Papai Noel, lembra-se?) Isso não implica que Deus permite que "a sorte governe a existência humana." Não, é a soberana providência de Deus que governa os assuntos dos homens. Deus não promete nem fornece uma circunstância de vida igual para cada ser humano. O que Deus faz é dar graça suficiente para a salvação e a vida eterna a cada pessoa que Ele cria. As desigualdades e deficiências desta vida não são sequer comparáveis à glória que Deus nos conferirá no céu. Ele soberanamente ordena o mundo de modo que os seus planos sejam alcançados, e podemos confiar que Ele fará o que é bom.
Deus não proteger os inocentes. Certo! Nem Ele tem qualquer obrigação de fazê-lo. Ele não protegeu o Seu único filho, Jesus Cristo, que foi o mais inocente dos homens, da terrível morte na cruz. Mas Deus ordena o mundo de forma justa de modo a alcançar seus bons propósitos para a raça humana. A morte inocente de Cristo, em particular, trouxe a redenção da humanidade.
Deus não está presente. Como você sabe? Por que nós não podemos “ver, cheirar, tocar ou ouvir" Deus? Se pudéssemos, ele seria, na verdade, um objeto físico finito, um ídolo, não Deus. A física moderna nos ensina que há todos os tipos de realidades que não são acessíveis aos cinco sentidos (Questão da Semana # 273). Não devemos acreditar nelas? Mas nós temos evidência indireta de sua realidade. E da mesma forma temos evidência semelhante com relação a Deus.
Deus não ensina as crianças a serem boas. Esse não é um argumento contra a existência de Deus, mas apenas uma suposta razão para você não ensinar a seus filhos quem é Deus. Concordo que devemos ensinar as crianças a fazer o que é certo porque é certo. Mas a razão pela qual é certo é por que Deus exige que assim façamos. Em contraste, no ateísmo não há base para a obrigação ou proibição moral. É maravilhoso que essa mãe queira ensinar os seus filhos a fazer o que é certo, mas no naturalismo não há nada objetivamente certo ou errado. Se os seus filhos, eventualmente, enxergarem através da farsa, eles podem se tornar relativistas, a despeito do que lhes foi ensinado por ela. Tudo o que ela pode esperar é que eles lhe "deem orgulho" e"se tornem pessoas decentes", porque, uma vez tendo enxergado através da moralidade infundada que ela lhes ensinou, não há nenhuma razão para que eles continuem a se comportar de tal modo.
Deus ensina narcisismo. Que absurdo! Jesus ensinou-nos a amar nosso próximo como a nós mesmos, e até mesmo a amar os nossos inimigos. Eu desafio qualquer um a produzir um estudo psicológico que mostre que crianças cristãs são narcisistas. Ao contrário, uma série de estudos mostram que pessoas religiosas são psicologicamente mais equilibradas e mais felizes do que pessoas não-religiosas.
Por fim, embora essa mãe afirme não querer que a crença religiosa desapareça da vida privada das pessoas, o impulso de todo o seu artigo é completamente o oposto. Ela já tem a liberdade de ensinar a seus filhos o que ela quiser. Então, o que mais ela está querendo? Ela quer convencer os leitores de seu artigo a não ensinarem os seus filhos a acreditar em Deus. Em outras palavras, ela está tentando eliminar a crença religiosa da esfera privada, não apenas da esfera pública. Ela é, assim, parte do Neo-Ateísmo agressivo.
William Lane Craig
Originalmente publicado como: “Why We Raised Our Kids to Believe in God.” Texto disponível na íntegra em: http://www.reasonablefaith.org/why-we-raised-our-kids-to-believe-in-god. Traduzido por Felipe Miguel.


Read more: http://www.reasonablefaith.org/portuguese/Por-que-nós-ensinamos-aos-nossos-filhos-que-Deus-existe#ixzz2RapRQSVZ

sexta-feira, 26 de abril de 2013


A erudição contemporânea e as evidências históricas para a ressurreição de Jesus Cristo

William Lane Craig
Depois de avaliar a erudição contemporânea acerca da historicidade da ressurreição de Jesus Cristo, o doutor William Lane Craig afirma que "as aparições da ressurreição, o túmulo vazio e a origem da fé cristã – todos inevitavelmente apontam para uma conclusão: a ressurreição de Jesus".
Originalmente publicado como: "Contemporary Scholarship and the Historical Evidence for the Resurrection of Jesus Christ", Truth Journal I (1985): 89-95. Texto reproduzido na íntegra em: Jesus Resurrection. Trad. Djair Dias Filho (out.- nov./2006).
"O Homem", escreveu Loren Eisley, "é o Órfão Cósmico". Ele é, no Universo, a única criatura que pergunta "Por quê?". Os outros animais têm instintos para guiá-los, mas o homem aprendeu a fazer questionamentos. "Quem sou eu?", ele pergunta. "Por que estou aqui? Para onde vou?"


Desde o Iluminismo, quando o homem moderno livrou-se das algemas da religião, tem-se tentado responder a essas questões sem fazer referência a Deus. Contudo, as respostas que vieram não foram animadoras, mas tenebrosas e terríveis. "Você é um subproduto acidental da natureza, o resultado de matéria mais tempo mais acaso. Não existe qualquer razão para sua existência. Tudo que você encara é a morte. Sua vida é nada mais do que uma centelha na escuridão infinita, uma faísca que aparece, brilha por um instante, e morre para sempre".
O homem moderno pensou que, ao despir-se de Deus, iria se libertar de tudo o que o sufocava e o reprimia. Em vez disso, descobriu que, matando Deus, matara a si mesmo.
Ao contrário desse cenário da mensagem moderna, a tradicional esperança cristã da ressurreição assume brilho e significado bem maiores. Conta ao homem que, apesar de tudo, ele não é órfão, e sim a imagem pessoal do Deus Criador do Universo; a sua vida não está fadada à morte, pois através da ressurreição escatológica ele poderá viver na presença de Deus eternamente.
Esta é uma esperança maravilhosa. Porém, é claro, esperança que não é baseada em fatos não é esperança, mas mera ilusão. Por que deveria a esperança cristã da ressurreição escatológica soar ao homem moderno como nada mais do que mera utopia? A resposta está na convicção cristã de que um homem foi antecipadamente ressurreto, por Deus, de entre os mortos como o precursor e exemplo da nossa própria ressurreição escatológica. Esse homem foi Jesus de Nazaré, e Sua ressurreição histórica dentre os mortos constitui o fundamento factual sobre o qual a esperança cristã é baseada.
Notadamente, durante o último século a teologia liberal fez pouco caso da ressurreição histórica de Jesus. Uma vez que os teólogos liberais retiveram a pressuposição – que herdaram dos deístas – contra a possibilidade de milagres, uma ressurreição histórica era, a priori, simplesmente fora de cogitação. A explicação mitológica de D. F. Strauss capacitou-os a explicar as narrativas da ressurreição no Novo Testamento como ficções lendárias. A crença na ressurreição histórica foi uma ressaca vinda da antiguidade, e dela já é tempo de o homem se livrar. Assim, no principal estudo sobre a historicidade da ressurreição a partir de uma perspectiva liberal, o livro The Historical Evidence for the Resurrection of Jesus Christ (1907), de Kirsopp Lake, o autor cuidadosamente traça o desenvolvimento lendário das narrativas da ressurreição, partindo do evento histórico inicial da visita das mulheres ao túmulo errado. Lake conclui que isso não é o fim, de qualquer maneira: o que é vital para a teologia cristã é a crença na imortalidade da alma, a crença em que os amigos e parentes que partiram ainda estão vivos, e que, em um tempo determinado, seremos reunidos a eles. Assim, o NT foi substituído pelo Fédon*.
A teologia liberal não pôde sobreviver à I Guerra Mundial, mas sua morte não trouxe qualquer interesse renovado na historicidade da ressurreição de Jesus, pois as duas escolas que a sucederam estavam unidas em sua desvalorização do que é histórico em relação a Jesus. Dessa forma, a teologia dialética, proposta por Karl Barth, defendia a doutrina da ressurreição; porém, não teria nada a ver com a ressurreição considerada como um evento na história. Em seu comentário ao livro de Romanos (1919), o jovem Barth declarou: "A ressurreição toca a história como uma tangente toca um círculo – isto é, sem realmente tocá-lo". A teologia existencial, exemplificada por Rudolf Bultmann, era ainda mais antitética à historicidade da ressurreição de Jesus. Embora Bultmann reconhecesse que os primeiros discípulos acreditavam na ressurreição literal e que Paulo, em I Coríntios 15, tenta até mesmo provar a ressurreição, ele apesar de tudo pronuncia tal procedimento como "fatal". Isso reduz a ressurreição de Cristo a um milagre na natureza análogo à ressurreição de um defunto. E não se pode racionalmente pedir ao homem moderno que ele acredite em milagre na natureza antes de se tornar um cristão. Portanto, os elementos miraculosos do Evangelho devem ser demitologizados, a fim de revelar a verdadeira mensagem cristã: o chamado à existência autêntica, em face da morte, simbolizado pela cruz. A ressurreição é meramente uma redeclaração simbólica da mensagem da cruz e, essencialmente, nada acrescenta. Apelar à ressurreição como evidência histórica, em semelhança ao que Paulo fez, é duplamente errado, pois é da própria natureza da fé existencial ser um salto sem evidências. Assim, argumentar historicamente em favor da ressurreição é contrário à fé. Claramente, então, a antipatia da teologia liberal à historicidade da ressurreição de Jesus não foi substituída nem pela teologia dialética, nem pela existencial.
No entanto, uma mudança notável aconteceu durante a segunda metade do século XX. Os primeiros vislumbres de mudança começaram a aparecer em 1953. Naquele ano, Ernst Käsemann, um aluno de Bultmann, arguiu em um Colóquio na Universidade de Marburgo que o ceticismo histórico de Bultmann com relação a Jesus era injustificado e contraproducente, e sugeriu uma reabertura da questão de onde o que é histórico acerca de Jesus deveria ser encontrado. Uma nova busca pelo Jesus histórico se iniciara. Três anos mais tarde, em 1956, o teólogo de Marburgo Hans Grass sujeitou a própria ressurreição à investigação histórica, concluindo que as aparições da ressurreição não podem ser dispensadas como meras visões subjetivas da parte dos discípulos, mas foram eventos visionários objetivos.
Enquanto isso, o historiador eclesiástico Hans Freiherr von Campenhausen, em ensaio daquela mesma época, defendeu a credibilidade histórica do túmulo vazio de Jesus. Durante os anos subseqüentes, uma onda de trabalhos sobre a historicidade da ressurreição de Jesus fluiu das imprensas de língua alemã, francesa e inglesa. Em 1968, o velho ceticismo já era uma força desgastada e começou a recuar dramaticamente. Durante a segunda metade deste século, tão completa foi a transformação concernente à ressurreição de Jesus que não é exagero falar de uma reversão da erudição neste assunto, de tal maneira que aqueles que negam a historicidade da ressurreição agora parecem ser os que ficam na defensiva. Talvez, um dos desenvolvimentos teológicos mais significativos nesta área é o sistema teológico de Wolfhart Pannenberg, que baseia toda sua Cristologia nas evidências históricas em favor do ministério de Jesus e, especialmente, na ressurreição. Esse é um progresso impensável na teologia alemã anterior a 1950. Igualmente assustadora é a declaração de um dos principais teólogos judeus no mundo, Pinchas Lapide, que está convencido, com base nas evidências, de que Jesus de Nazaré ressurgiu dentre os mortos. Lapide repreende críticos do Novo Testamento como Bultmann ou Marxsen pelo ceticismo injustificado deles, e conclui que ele acredita, baseando-se nas evidências, que o Deus de Israel ressuscitou Jesus dentre os mortos.
Quais são os fatos que subjazem a essa notável reversão de opinião no que concerne à credibilidade das narrativas neotestamentárias da ressurreição de Jesus? Parece-me que eles podem ser convenientemente agrupados sob três tópicos: as aparições da ressurreição, o túmulo vazio, e a origem da fé cristã. Observemos brevemente cada um.
Primeiramente, as aparições da ressurreição. Indubitavelmente, o principal ímpeto para a reavaliação da tradição da aparição foi a demonstração, por Joachim Jeremias, de que em I Coríntios 15:3-5 Paulo está citando uma antiga fórmula cristã que ele recebeu e, por sua vez, passou adiante aos seus conversos. De acordo com Gálatas 1:18, três anos após sua conversão Paulo esteve em Jerusalém numa missão investigadora de fatos, durante a qual ele deliberou com Pedro e Tiago, por um período de duas semanas; se não antes, ele provavelmente recebeu a fórmula nesse tempo. Visto que Paulo se converteu em 33 A.D., isso significa que a lista de testemunhas remonta aos primeiros cinco anos após a morte de Jesus. Assim, não é idôneo dispensar essas aparições como lendárias. Se quisermos, podemos explicá-las como alucinações, entretanto não podemos negar que aquelas ocorreram. A informação de Paulo torna certo que, em ocasiões distintas, vários indivíduos e grupos viram Jesus vivo dentre os mortos. Conforme Norman Perrin, o falecido crítico neotestamentário da Universidade de Chicago: "Quanto mais estudamos a tradição com respeito às aparições, mais firme a rocha em cima da qual elas se baseiam começa a aparecer". Esta conclusão é virtualmente indiscutível.
Contudo, ao mesmo tempo em que a erudição bíblica chegou a uma nova apreciação da credibilidade histórica da informação paulina, deve-se admitir que persiste o ceticismo relacionado às tradições da aparição nos Evangelhos. Esse ceticismo subsistente parece-me inteiramente injustificado. É baseado na pressuposicional antipatia para com o fisicalismo das histórias de aparição no Evangelho. Mas as tradições subjacentes àquelas aparições podem ser tão confiáveis quanto a de Paulo. Porque, a fim de que o principal dessas histórias seja lendário, um considerável período de tempo deveria estar disponível para a evolução e desenvolvimento das tradições até que os elementos históricos fossem suplantados pelo anistórico. Esse fator é tipicamente negligenciado na erudição do Novo Testamento, conforme aponta A. N. Sherwin-White em Roman Law and Roman Society in the New Testament. O doutor Sherwin-White não é teólogo; ele é um eminente historiador dos tempos romanos e gregos, rudimentarmente contemporâneos ao NT. De acordo com o professor Sherwin-White, as fontes para a história romana são geralmente tendenciosas e deslocadas pelo menos uma ou duas gerações, ou mesmo séculos, dos eventos que registram. Apesar disso, diz ele, os historiadores reconstroem com confiança o que realmente aconteceu. Ele critica os críticos do NT por não perceberem quão inestimáveis são as fontes que eles têm nos Evangelhos. Os escritos de Heródoto fornecem um procedimento para avaliar a velocidade de acúmulo lendário, e o exame mostra que mesmo duas gerações é duração de tempo muito curta para permitir que tendências lendárias destruam o núcleo de fatos históricos. Quando Sherwin-White volta-se para os Evangelhos, declara que, a fim de serem lendários, a velocidade de acúmulo lendário teria de ser "inacreditável"; mais gerações são necessárias. Todos os estudiosos de NT concordam que os Evangelhos foram escritos e circularam na primeira geração, durante a vida das testemunhas oculares. Realmente, um significativo novo movimento de erudição bíblica argumenta persuasivamente que alguns dos Evangelhos foram escritos até 50 A.D. Isso os localiza tão cedo quanto a Carta de Paulo aos Coríntios e, dada sua igual dependência à tradição anterior, deve-se outorgar a eles o mesmo peso de credibilidade histórica outorgado a Paulo. É instrutivo notar, nessa relação, que nenhum evangelho apócrifo apareceu durante o primeiro século. Estes somente surgiram após a morte da geração de testemunhas oculares. São melhores candidatos ao ofício de "ficção lendária" do que os Evangelhos canônicos. Dessa forma, acho que o atual ceticismo dos críticos ligado às tradições da aparição nos Evangelhos é injustificado. A nova apreciação do valor histórico da informação paulina precisa ser acompanhada, também, pela reavaliação das tradições do Evangelho.
Em segundo lugar, o túmulo vazio. Outrora considerado como uma ofensa para a inteligência moderna e um embaraço à teologia cristã, o túmulo vazio de Jesus veio a assumir seu lugar entre os fatos geralmente aceitos concernentes ao Jesus histórico. Permita-me passar em revista brevemente algumas das evidências que envolvem essa questão.
(1) A confiabilidade histórica da história do sepultamento apóia o túmulo vazio. Se a narrativa do sepultamento é precisa, então o local da cova de Jesus era conhecido por judeus e cristãos, indistintamente. Neste caso, chega-se muito brevemente à inferência da historicidade do túmulo vazio. Pois se Jesus não tivesse ressuscitado e o local do sepultamento fosse conhecido:
(a) os discípulos nunca poderiam ter acreditado na ressurreição. Para um judeu do século I, a idéia de que um homem pudesse ser levantado dentre os mortos enquanto seu corpo permanecesse no túmulo era, por definição, uma contradição. Nas palavras de E. E. Ellis, "é muito improvável que os cristãos palestinos primitivos pudessem conceber alguma distinção entre ressurreição e ressurreição física 'esvaziadora de sepultura'. Para eles, uma anastasis sem uma sepultura vazia teria sido quase tão significativa quanto um círculo quadrado".
(b) Mesmo se os discípulos tivessem crido na ressurreição, é duvidoso que eles teriam gerado qualquer seguidor. Tão logo o corpo fosse enterrado no túmulo, um movimento cristão fundado na crença na ressurreição do homem morto teria sido uma tolice impossível.
(c) As autoridades judaicas teriam exposto a trama inteira. A resposta mais rápida e clara à proclamação da ressurreição de Jesus teria sido simplesmente apontar para Sua sepultura na encosta da rocha.
Por essas três razões, a exatidão da história do sepultamento apóia a historicidade do túmulo vazio. Infelizmente àqueles que desejam, contudo, negar o túmulo vazio, a história do sepultamento é uma das tradições históricas mais certas que temos a respeito de Jesus. Vários fatores envolvem esse julgamento. Mencionando apenas alguns:
(i) O sepultamento é mencionado na terceira linha da antiga fórmula cristã citada por Paulo em I Co. 15.4.
(ii) É parte da antiga e pré-marcana história da Paixão usada por Marcos como fonte de seu Evangelho.
(iii) Falta à própria história qualquer traço de desenvolvimento lendário.
(iv) A história adequa-se às evidências arqueológicas que dizem respeito aos tipos e à localização de túmulos existentes nos dias de Jesus.
(v) Não existem outras tradições de sepultamento concorrentes.
Por essas e outras razões, a maioria dos estudiosos está unida no julgamento de que a história do sepultamento é fundamentalmente histórica. Mas, se este é o caso, então, como expliquei, a inferência de que o túmulo foi achado vazio não fica muito longe de ser alcançada.
(2) O testemunho de Paulo apóia o fato do túmulo vazio. Aqui, dois aspectos das evidências de Paulo podem ser mencionados.
(a) Na fórmula citada por Paulo, a expressão "ressurgiu", seguinte à frase "foi sepultado", implica o túmulo vazio. Um judeu do século I não poderia pensar o contrário. Como E. L. Bode observa, a noção da ocorrência de uma ressurreição espiritual enquanto o corpo permaneceu no túmulo é uma peculiaridade da teologia moderna. Para os judeus, eram os restos do homem no túmulo que ressuscitavam; portanto, eles cuidadosamente preservavam os ossos dos mortos em ossuários até a ressurreição escatológica. Não pode haver dúvida de que tanto Paulo quanto a fórmula cristã primitiva que ele cita pressupõem a existência do túmulo vazio.
(b) A frase "ao terceiro dia" provavelmente aponta para a descoberta do túmulo vazio. Resumindo muito brevemente, a questão é: uma vez que ninguém realmente testemunhou a ressurreição de Jesus, como os cristãos vieram a datá-la no "terceiro dia"? A resposta mais provável é que eles assim fizeram porque esse foi o dia do descobrimento do túmulo vazio pelas seguidoras de Jesus. Portanto, a própria ressurreição veio a ser datada naquele dia. Assim, na antiga formula cristã citada por Paulo, temos evidência extremamente primitiva para a existência do túmulo vazio de Jesus.
(3) A história do túmulo vazio é parte da história pré-marcana da Paixão e, portanto, é muito antiga. A história do túmulo vazio foi provavelmente o fim da fonte da Paixão de Marcos. Como Marcos é o mais primitivo dos nossos Evangelhos, essa fonte é, pois, por si só bastante velha. Na verdade, o comentador R. Pesch afirma que é uma fonte incrivelmente primitiva. Ele produz duas linhas de evidência para essa conclusão:
(a) A narrativa paulina da Última Ceia em I Co. 11.23-25 pressupõe a narrativa marcana. Visto que as próprias tradições de Paulo são por si só muito antigas, a fonte marcana deve ser mais antiga ainda.
(b) A história pré-marcana da Paixão nunca se refere por nome ao sumo sacerdote. É como quando digo que "o Presidente está recepcionando um jantar na Casa Branca", e todos sabem de quem estou falando, porque é a pessoa atualmente no cargo. Similarmente, a história pré-marcana da Paixão refere-se ao "sumo sacerdote" como se ele ainda estivesse no poder. Uma vez que Caifás exerceu seu cargo de 18 a 37 A.D., quer dizer, na última das hipóteses, que a fonte pré-marcana deve advir de dentro do período de sete anos após a morte de Jesus. Logo, essa fonte remonta aos primeiros poucos anos da comunidade de Jerusalém e é, assim, uma antiga e confiável fonte de informação histórica.
(4) A história é simples e falta-lhe desenvolvimento lendário. A história do túmulo vazio não é colorida por motivos teológicos e apologéticos que seriam característicos de narrativas lendárias tardias. Talvez, o jeito mais vigoroso de apreciar este ponto é compará8 la com as narrativas sobre o túmulo vazio achadas nos evangelhos apócrifos do século II. Por exemplo, no Evangelho de Pedro, uma voz ressoa do céu durante a noite, a pedra rola sozinha da porta do túmulo, no qual entram dois homens que descem do céu. Depois, vêem-se três homens saindo do túmulo, dois apoiando o terceiro. As cabeças dos dois homens esticam-se até as nuvens, mas a cabeça do terceiro ultrapassa as nuvens. Então, uma cruz sai do túmulo e uma voz pergunta: "Pregaste aos que dormem?". E a cruz responde: "Sim". Na Ascensão de Isaías, Jesus sai do túmulo sentado sobre os ombros dos anjos Miguel e Gabriel. É com isso que as lendas autênticas se parecem: diferentemente dos relatos do Evangelho, são coloridas por adornos teológicos.
(5) Provavelmente, foram mulheres que descobriram que o túmulo estava vazio. A fim de entender este ponto, deve-se recordar dois fatos acerca do papel das mulheres na sociedade judaica.
(a) A mulher ocupava um degrau baixo na escada social judaica. Isso é evidente em tais expressões rabínicas: "Melhor é que as palavras da Lei sejam queimadas do que entregues a mulheres" e "Bem-aventurado aquele cujos filhos são homens, mas ai daquele cujos filhos são mulheres".
(b) O testemunho de mulheres era considerado tão indigno que não lhes era sequer permitido servir como testemunhas legais numa corte legal. À luz desses fatos, quão notável parece as mulheres terem sido as descobridoras do túmulo vazio de Jesus. O fato de que mulheres – cujo testemunho era sem valor –, em vez de homens, são as principais testemunhas ao túmulo vazio é mais plausivelmente explicado porque, goste ou não, elas foram as descobridoras do túmulo vazio, e os Evangelhos registram isso com precisão.
(6) A polêmica judaica inicial pressupõe o túmulo vazio. Em Mateus 28, encontramos a tentativa cristã de refutar a polêmica judaica inicial contra a ressurreição. Aquela polêmica asseverava que os discípulos roubaram o corpo. Os cristãos responderam a isso recontando a história dos guardas do túmulo, e a polêmica, por sua vez, sustentava que os guardas adormeceram. Nessas circunstâncias, a característica digna de nota em toda essa disputa não é a historicidade dos guardas; porém, em vez disso, a pressuposição de ambos os partidos segundo a qual o corpo estava desaparecido. A resposta judaica inicial à proclamação da ressurreição foi uma tentativa de justificar o túmulo vazio. Assim, a evidência dos adversários dos discípulos providencia evidência em apoio ao túmulo vazio.
Poder-se-ia prosseguir, mas talvez já foi dito o bastante para indicar por que o julgamento da erudição reverteu-se quanto à historicidade do túmulo vazio. De acordo com Jakob Kremer, "de longe, a maioria dos exegetas apegam-se firmemente à confiabilidade das declarações bíblicas relacionadas ao túmulo vazio", e fornece uma lista – à qual seu próprio nome pode ser acrescentado – de vinte e oito estudiosos proeminentes que apóiam o que disse. Posso pensar em pelo menos mais dezesseis nomes que ele falhou em mencionar. Dessa maneira, hoje se reconhece amplamente que o túmulo vazio de Jesus é um simples fato histórico. Conforme D. H. van Daalen apontou, "é extremamente difícil objetar, com bases históricas, ao túmulo vazio; aqueles que o negam, assim o fazem baseando-se em suposições teológicas ou filosóficas". Mas suposições podem simplesmente ter de mudar à luz de fatos históricos.
Finalmente, podemos voltar-nos para um terceiro conjunto de evidências em apoio à ressurreição: a própria origem do Caminho cristão. Mesmo os estudiosos mais céticos admitem que os primeiros discípulos pelos menos acreditavam que Jesus ressuscitara dentre os mortos. Deveras, eles depositavam nisso praticamente tudo. Sem a crença na ressurreição de Jesus, o Cristianismo poderia nunca ter vindo à existência. A crucificação teria permanecido como a tragédia final na desafortunada vida de Jesus. A origem do Cristianismo depende da crença desses primeiros discípulos em que Jesus ressuscitara dentre os mortos. Sendo assim, a pergunta inevitavelmente surge: como se explica a origem dessa crença? Conforme R. H. Fuller insiste, mesmo os críticos mais céticos postulam algum X misterioso que fez o movimento andar. Permanece a questão: o que era aquele X?
Se alguém nega que Jesus realmente ressuscitou dentre os mortos, então deve explicar, seja em termos de influências judaicas ou em termos de influências cristãs, a crença dos discípulos em que ele ressuscitou de fato. Obviamente, não pode ser o resultado de influências cristãs, pois naquele tempo ainda não existia Cristianismo algum. Uma vez que a crença na ressurreição de Jesus foi o fundamento da origem da fé cristã, não pode ser um resultado daquela fé.
No entanto, não se pode também explicar a crença na ressurreição como um resultado de influências judaicas. No Antigo Testamento, a crença judaica na ressurreição dos mortos no dia do julgamento é mencionada em três lugares (Ezequiel 37; Isaías 26.19; Daniel 12.2). Durante o tempo entre o Antigo e o Novo Testamento, a crença na ressurreição floresceu e é freqüentemente mencionada na literatura judaica daquele período. Nos dias de Jesus, o partido judaico dos fariseus apegava-se à crença na ressurreição, e Jesus colocou-se ao lado deles nesse aspecto, em oposição ao partido dos saduceus. Assim, a idéia de ressurreição não era, por si só, nada nova.
A concepção judaica de ressurreição, porém, diferia da ressurreição de Jesus em dois aspectos importantes e fundamentais. No pensamento judaico, a ressurreição sempre (1) ocorreria após o fim do mundo, não dentro da história, e (2) diria respeito a todas as pessoas, não apenas um indivíduo, isoladamente. Em contradistinção a isso, a ressurreição de Jesus foi tanto dentro da história quanto de uma pessoa individualmente.
No que diz respeito ao primeiro ponto, a crença judaica era sempre que, no fim da história, Deus ressuscitaria os justos mortos e os receberia em Seu Reino. Para ficar claro, há no Antigo Testamento exemplos de ressuscitações [resuscitations] dos mortos; mas essas pessoas morreriam novamente. A ressurreição [resurrection] à vida e glória eterna ocorreria após o fim do mundo. Encontramos essa visão judaica nos próprios Evangelhos. Dessa forma, quando Jesus assegurou a Marta que Lázaro, irmão dela, seria levantado de novo, ela respondeu: "Eu sei que ressurgirá na ressurreição, no último dia" (João 11.24). Ela não fazia idéia de que Jesus estava prestes a trazê-lo de volta à vida. Similarmente, quando Jesus contou a Seus discípulos que ressurgiria dentre os mortos, eles pensaram que Ele quis dizer no fim do mundo (Marcos 9.9-13). A idéia de que uma verdadeira ressurreição poderia ocorrer antes de Deus trazer o Reino do Céu no fim do mundo lhes era totalmente estranha. O grandemente renomado estudioso alemão Joachim Jeremias escreve:
O Judaísmo antigo não conhecia uma ressurreição antecipada como um evento da história. Em lugar algum, encontra-se na literatura qualquer coisa comparável à ressurreição de Jesus. Certamente, ressurreições dos mortos eram conhecidas, mas estas sempre diziam respeito a ressuscitações [resuscitations], o retorno à vida terrena. Em nenhum lugar, na literatura judaica tardia, isso diz respeito a uma ressurreição [resurrection] à doxa (glória) como um evento da história.
Os discípulos, portanto, confrontados com a crucificação e morte de Jesus, teriam apenas esperado ansiosamente pela ressurreição no último dia e provavelmente mantido cuidadosamente o túmulo de seu mestre como um relicário, onde seus ossos poderiam residir até a ressurreição. Não lhes viria à tona a idéia de que ele já ressurgira.
Quanto ao segundo ponto, a idéia judaica de ressurreição sempre era de uma ressurreição geral dos mortos, não de um indivíduo, isoladamente. Era o povo, ou a humanidade como um todo, que Deus levantaria na ressurreição. Mas na ressurreição de Jesus, Deus levantou um único homem. Além do mais, não havia qualquer concepção de ressurreição de pessoas de alguma maneira dependente da ressurreição do Messias. Isso era totalmente desconhecido. Apesar de tudo, diz-se que foi precisamente o que ocorreu no caso de Jesus. Ulrich Wilckens, outro proeminente crítico do Novo Testamento, explica:
Pois em lugar algum os textos judaicos falam da ressurreição de um indivíduo já ocorrida antes da ressurreição dos justos no fim dos tempos e diferenciada e separada desta; em lugar algum a participação dos justos na salvação ao findar do tempo depende que eles pertençam ao Messias, que ressurgira adiantadamente como as primícias dos que Deus ressurgirá (I Coríntios 15.20).
É, pois, evidente que não viria à mente dos discípulos, como resultado das influências ou cenário judaicos, a idéia de que somente Jesus ressurgira dentre os mortos. Eles com ansiedade esperariam por aquele dia, quando Ele e todos os justos de Israel seriam por Deus ressurretos à glória.
A crença dos discípulos na ressurreição, portanto, não pode ser explanada como o resultado de influências cristãs ou judaicas. Abandonados a si mesmos, os discípulos jamais pensariam numa idéia tal qual a ressurreição de Jesus. E lembre-se: eles eram pescadores e cobradores de impostos, não teólogos. O X misterioso ainda está faltando. De acordo com C. F. D. Moule, da Universidade de Cambridge, aqui está uma crença que em nada pode ser devida a influências históricas prévias. Ele aponta que temos uma situação em que um grande número de pessoas apegou-se firmemente a essa crença, que não pode ser explicada em termos do Antigo Testamento ou dos fariseus, e tais pessoas sustentaram sua crença até que os judeus finalmente os rejeitaram da sinagoga. Segundo o professor Moule, a origem dessa crença deve ter sido o fato de que Jesus realmente ressurgiu dentre os mortos:
Se o surgimento dos nazarenos, um fenômeno inegavelmente atestado pelo Novo Testamento, cria um grande buraco na história, um buraco do tamanho e forma da Ressurreição, o que o historiador secular propõe para pôr um fim a isso? ... o nascimento e rápido auge da Igreja Cristã... permanecem um enigma insolúvel para qualquer historiador que se recusa a tomar seriamente a única explicação oferecida pela própria igreja.
A ressurreição de Jesus é, assim, a melhor explicação para a origem da fé cristã. Tomados em conjunto, esses três grandes fatos históricos – as aparições da ressurreição, o túmulo vazio, a origem da fé cristã – parecem apontar para a ressurreição de Jesus como a explicação mais plausível.
Entretanto, é claro, têm existido outras explanações proferidas para darem conta das aparições da ressurreição, do túmulo vazio e da origem da fé cristã. No julgamento da erudição moderna, contudo, elas têm falhado em prover uma exposição dos fatos do caso. Isso se pode ver por uma rápida análise às principais explicações que se têm oferecido.
A. Os discípulos roubaram o cadáver de Jesus e mentiram sobre as aparições da ressurreição. Esta explicação caracterizou a polêmica judaica anticristã inicial e foi reavivada na forma da teoria da conspiração no deísmo do século XVIII. A teoria tem sido universalmente rejeitada por estudiosos críticos e sobrevive apenas na imprensa popular. Designando duas considerações decisivas contra isso: (i) é moralmente impossível indiciar os discípulos de Jesus por tal crime. Quaisquer que fossem as imperfeições deles, eles eram certamente homem e mulheres bons e sérios, não impostores. Ninguém que sem preconceitos lê o Novo Testamento pode duvidar da sinceridade evidente daqueles primeiros crentes. (ii) É psicologicamente impossível atribuir aos discípulos o astucioso [artifício] requisitado para esse ardil. No momento da crucificação, os discípulos estavam confusos, desorganizados, temerosos, duvidosos e sobrecarregados com pranto – e não mentalmente motivados ou equipados para engendrar tamanha brincadeira. Portanto, explicar o túmulo vazio e as aparições da ressurreição através de uma teoria da conspiração parece fora de cogitação.
B. Jesus não morreu na cruz, mas foi dela retirado e colocado vivo no túmulo, onde reviveu e de onde escapou para convencer os discípulos que Ele ressurgira dentre os mortos. Essa teoria da morte aparente foi defendida pelos racionalistas alemães dos fins do século XVIII e começo do século XIX, sendo adotada até mesmo pelo pai da teologia moderna, F. D. E. Schleiermacher. Hoje, contudo, a teoria foi inteiramente abandonada: (i) seria virtualmente impossível, medicamente, Jesus sobreviver aos rigores da tortura e crucificação, muito menos não ter morrido exposto no túmulo. (ii) A teoria é religiosamente inadequada, visto que um Jesus quase morto, precisando desesperadamente de cuidados médicos, não teria provocado nos discípulos adoração a Ele como o exaltado Senhor Ressurreto e Conquistador da Morte. Além do mais, uma vez que Jesus, nessa hipótese, sabia que realmente não triunfara sobre a morte, a teoria o reduz à vida de um charlatão que trapaceou os discípulos ao fazê-los acreditar que Ele ressurgira – o que é um absurdo. Com apenas essas razões torna-se indefensável a teoria da morte aparente.
C. Os discípulos projetaram alucinações de Jesus após Sua morte, das quais eles enganosamente inferiram Sua ressurreição. A teoria da alucinação tornou-se popular durante o século XIX e prosseguiu até a primeira metade do século XX, também. Novamente, porém, existem bons fundamentos para rejeitar essa hipótese: (i) é psicologicamente implausível postular tal cadeia de alucinações. Alucinações são geralmente associadas a doenças mentais ou drogas; mas no caso dos discípulos, parece faltar a preparação psicobiológica prévia. Os discípulos não anteciparam a visão de Jesus novamente vivo; tudo que eles poderiam fazer era esperar para serem reunidos com Ele no Reino de Deus. Não havia fundamentos que os conduzissem a aluciná-lo como vivo dentre os mortos. Além disso, a freqüência e variedade de circunstâncias desmentem a teoria da alucinação: Jesus não foi visto uma, mas várias vezes; não por uma pessoa, mas por diversas; não apenas por crentes, mas por céticos e incrédulos também. A teoria da alucinação não pode plausivelmente ser estendida a fim de acomodar tal diversidade. (ii) Alucinações não teriam, em caso algum, levado à crença na ressurreição de Jesus. Como projeções da mente de alguém, alucinações não podem conter qualquer coisa que não está na mente ainda. Mas vimos que a ressurreição de Jesus diferia da concepção judaica de duas maneiras fundamentais. Dada sua estrutura judaica de pensamento, os discípulos, se fossem ficar alucinados, teriam projetado visões de Jesus glorificado no seio de Abraão, local em que os justos mortos de Israel habitam até a ressurreição escatológica. Assim, alucinações não teriam causado crença na ressurreição de Jesus, uma idéia que solidamente batia de frente com o modo judaico de pensamento. (iii) Alucinações também não podem abranger todo o escopo das evidências. São oferecidas como uma explicação às aparições da ressurreição, mas deixam inexplicado o túmulo vazio, falhando assim como uma resposta completa e satisfatória. Portanto, parece que a hipótese da alucinação não é mais bem-sucedida do que seus defuntos ancestrais em prover uma plausível contraexplicação às informações que cercam a ressurreição de Cristo.
Logo, nenhuma das contraexplicações anteriores pode dar conta das evidências assim como o faz a própria ressurreição. Alguém pode perguntar: "Bem, então como os céticos explicam os fatos das aparições da ressurreição, o túmulo vazio e a origem da fé cristã?". O fato da questão é: eles não explicam. A erudição moderna não reconhece qualquer alternativa explicativa à ressurreição. Aqueles que se recusam a aceitar a ressurreição como um fato da história são simples e conscientemente deixados sem uma explanação.
Estes três fatos – as aparições da ressurreição, o túmulo vazio e a origem da fé cristã – todos inevitavelmente apontam para uma conclusão: a ressurreição de Jesus. Hoje, o homem racional pode dificilmente ser censurado se acreditar que naquela manhã da primeira Páscoa um milagre divino aconteceu.
* Diálogo platônico que trata da imortalidade da alma. (N. do T.)
© William Lane Craig


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terça-feira, 23 de abril de 2013

Os guardas do túmulo


Os guardas do túmulo

William Lane Craig
A narrativa de Mateus sobre a guarda junto ao túmulo de Jesus é amplamente considerada como lenda apologética. Embora algumas das razões dadas em apoio a esse julgamento não sejam importantes, duas são mais sérias: (1) a história é encontrada somente em Mateus e (2) a história pressupõe que Jesus previu sua ressurreição e que somente os líderes judeus compreenderam aquelas predições. Mas a ausência da história nos outros Evangelhos pode ser devida à falta de interesse deles em polêmica judaico-cristã. Não há boas razões para se negar que Jesus predisse sua ressurreição e, nesse caso, a segunda objeção se torna basicamente um argumento a partir do silêncio. Do lado positivo, a historicidade da narrativa é apoiada por duas considerações: (1) como apologia, a história não é resposta infalível à acusação de rapto do corpo e (2) uma reconstrução da história de tradição que subjaz à polêmica judaico-cristã torna improvável a ficcionalidade dos guardas.
Originalmente publicado como: "The Guard at the Tomb", New Testament Studies 30 (1984): 273-81. Texto reproduzido na íntegra em reasonablefaith.org/site/News2?page=NewsArticle&id=5211. Trad. Djair Dias Filho (maio-junho/2009).


Dentre os Evangelhos canônicos, somente Mateus relata a intrigante história da colocação de guardas junto ao túmulo de Jesus (Mt. 27.62-66; 28.4, 11-15). A história serve para propósito apologético: a refutação da alegação de que os próprios discípulos tinham roubado o corpo de Jesus e, assim, forjaram sua ressurreição. Por trás da história, como Mateus a conta, parece haver uma história de tradição de polêmica judaica e cristã, um padrão de afirmação e contra-afirmação, em desenvolvimento:2
Cristão: 'O Senhor ressuscitou!'
Judeu: 'Não, os discípulos roubaram o corpo.'
Cristão: 'Os guardas junto ao túmulo teriam evitado tal roubo.'
Judeu: 'Não, os discípulos roubaram o corpo enquanto os guardas dormiam.'
Cristão: 'Os principais sacerdotes subornaram os guardas para dizer isso.'
Embora, dentre os quatro evangelistas, somente Mateus mencione os guardas junto ao túmulo (João menciona os guardas em conexão com a prisão de Jesus; cf. Mc. 14.44), o Evangelho de Pedro também relata a história dos guardas do túmulo, e sua narrativa pode muito bem ser independente de Mateus, já que as similaridades verbais são praticamente nulas3.
Conforme a versão de Mateus, no sábado — ou seja, no Sabá —, que ele estranhamente circunavega chamando-o de o dia depois do dia da Preparação, os principais sacerdotes e fariseus pediram a Pilatos uma guarda para proteger o túmulo, a fim de impedir os discípulos de roubarem o corpo e, assim, de "cumprir-se" a predição de Jesus sobre ressuscitar ao terceiro dia. Pilatos disse-lhes: "Tendes uma guarda; ide e dai-lhe a segurança que puderdes". Não fica claro se isso significa que Pilatos lhes deu uma guarda romana ou se lhes falou para usar sua própria guarda do templo. O Evangelho de Pedro emprega uma guarda romana, mas isso é provavelmente inserido na tradição e pode ter sido concebido para enfatizar a força da guarda. Caso se queira mencionar uma consideração psicológica, Pilatos provavelmente estaria, a essa altura, tão enojado com os judeus que pode muito bem ter-lhes repelido; mas lendas não conhecem quaisquer limites psicológicos. Se Pilatos repeliu os judeus, pode-se, então, questionar por que essa parte da história foi contada, de qualquer maneira; mas, se os judeus realmente foram até Pilatos, talvez, então, esse detalhe foi lembrado. Se Pilatos lhes deu uma guarda, é estranho que Mateus não tenha tornado isso explícito, como o fez o Evangelho de Pedro, uma vez que fortaleceria sua apologética. O fato de que os guardas retornaram aos principais sacerdotes é evidência de que se pretende uma guarda judaica; contraste com o Evangelho de Pedro, em que a guarda romana relata a Pilatos os eventos que ocorreram junto ao túmulo. A menção do governador no v. 14 pode indicar uma guarda romana; mas, no caso, não estaria claro como os judeus poderiam fazer algo para livrá-los do problema. O fato de que os guardas romanos poderiam ser executados, ao dormirem durante a vigia, e o aceitar suborno poderiam, ainda mais, apontar para uma guarda judaica. No Evangelho de Pedro, o suborno e a história do sono são eliminados; Pilatos simplesmente ordena que a guarda romana mantenha silêncio. Caso de dê à história o benefício da dúvida, pode-se supor que a guarda era judaica; mas, se alguém está convencido de que a história é lenda insignificante, nada poderia evitar que se considere a guarda como romana. Assim, a guarda é fixada e o sepulcro, selado. Diz-se que Mateus omite o tema da unção, por causa da guarda e do selamento4; porém, isso não mantém qualquer apoio, pois as mulheres eram completamente desconhecedoras de que tais ações haviam sido tomadas no Sabá. Pelo contrário, poderia ser que Mateus estivesse seguindo diferentes tradições, nesse caso, visto que o v. 15 torna evidente que há uma história de tradição por trás da narrativa de Mateus5. Antes de as mulheres chegaram, um anjo do Senhor rola de volta a pedra, e os guardas ficam paralisados com medo. Não se diz que os guardas viram a ressurreição ou mesmo que esse é o momento da ressurreição6. Depois de as mulheres partirem, alguns da guarda foram até as autoridades judaicas, que os subornaram para dizer que os discípulos roubaram o corpo. Essa história tem sido espalhada entre os judeus até este dia, acrescenta Mateus.
O relato de Mateus tem sido quase universalmente rejeitado pelos críticos como sendo uma lenda apologética. Os valores para tal julgamento, entretanto, são de peso muito desigual. Por exemplo, o fato de que a história é uma resposta apologética à alegação de que os discípulos roubaram o corpo não significa, pois, que ela seja anistórica. A melhor maneira de responder a essa acusação não seria inventando ficções, mas narrando a verdadeira história do que aconteceu. Similarmente, de nada vale insistir na objeção teológica à história, como se faz frequentemente, de que ela vai além do testemunho restante do Novo Testamento, segundo o qual Jesus apareceu somente para os seus, mas permaneceu oculto aos inimigos dele7. Alguns teólogos ficam horrorizados com o pensamento de que guardas pagãos possam ter visto o "Cristo Ressurreto"8. Mas a narrativa não fala absolutamente nada sobre qualquer aparição de Jesus aos guardas. Pelo contrário, o anjo expressamente diz: "Ele não está aqui, porque ressurgiu"; mas o túmulo é, presumivelmente, aberto para que as mulheres possam vir e ver "o lugar onde jazia" (Mt. 28.6). E, em qualquer caso, o testemunho do Novo Testamento é que Jesus realmente apareceu a céticos, a descrentes e até mesmo a inimigos (Tomé, Tiago e Paulo). A ideia de que somente o olho da fé poderia ver o Jesus ressurreto é estranha aos Evangelhos e a Paulo, pois todos eles concordam a respeito da natureza física das aparições da ressurreição9. Às vezes, insiste-se que os principais sacerdotes e fariseus não iriam até Pilatos no dia de Sabá. Mas tal inferência não é muito séria, já que não se diz que eles foram em massa, mas meramente se reuniram ali10, e não se diz que eles adentraram ao pretório (cf. Jo. 18.28). De qualquer maneira, a objeção subestima a hipocrisia de homens que, ao menos de acordo com o relato do Evangelho, poderiam atar nos outros fardos pesados, mas eles mesmos não moveriam nem um dedo para ajudar. Nem é muito persuasivo objetar à história, por ela conter absurdos inerentes — por exemplo, que os guardas não saberiam que eram os discípulos porque estavam dormindo ou que uma guarda romana nunca concordaria em espalhar história pela qual poderiam ser executados11. A primeira supõe que os judeus não poderiam ter inventado uma estúpida história para encobrir tudo; realmente, essa história era tão boa quanto qualquer outra. Pelo menos, a inferência de que foram os discípulos de Jesus não era tão forçado. Pois quem mais poderia roubar o corpo? O segundo absurdo supõe que a guarda era romana, para o que a evidência positiva é débil. E, mesmo que a guarda fosse romana, talvez a promessa dos judeus de "satisfazer ao governador" significava contar-lhe a verdade sobre o leal serviço dos guardas, caso concordassem em mentir ao povo.
Muito pelo contrário, as dificuldades mais sérias desta história são duas: (1) não é relatada na história pré-marcana da paixão, nem nos outros Evangelhos e (2) pressupõe não somente que Jesus tenha predito sua ressurreição ao terceiro dia, mas também que os judeus entenderam isso claramente, enquanto os discípulos permaneceram na ignorância. Em relação à primeira, é excessivamente estranho que os outros Evangelhos nada soubessem de tão importante evento como a colocação de uma guarda ao redor do túmulo. Isso sugere que o relato é uma lenda posterior, refletindo anos da polêmica judaico-cristã. A designação de Jesus como impostor é, de fato, marca da polêmica judaica contra o Cristianismo (Diálogo com Trifão 208, de Justino;Testamento dos Doze Patriarcas (Levi) 16.3). Mas, talvez, esse polêmico interesse fornece a própria razão de por que esse evento, mesmo se histórico, não foi incluído na história pré-marcana da paixão. Pois a história pré- marcana da paixão surgiu na vida da Urgemeinde [comunidade], antes da Auseinandersetzung [disputa] com o Judaísmo e, assim, antedata a polêmica judaico-cristã. Já que os guardas desempenharam virtualmente nenhum papel nos eventos da descoberta do túmulo vazio — na realidade, o relato mateano não exclui que a guarda já havia partido antes de as mulheres chegarem — a história pré-marcana da paixão pode simplesmente omiti-los. Se a calúnia segundo a qual os discípulos roubaram o corpo estava restrita a certos grupos ("essa história tem-se divulgado entre os judeus [para Ioudaiois] até os dias de hoje"), não se pode, então, excluir que Lucas ou João poderiam não ter essas tradições. E os evangelistas, com frequência, inexplicavelmente omitem o que parecem ser incidentes importantes que podem lhes ter sido conhecidos (por exemplo, a grande omissão de Lucas, de Mc. 6.45 — 8.26), de modo que é perigoso usar uma omissão como teste para historicidade.
Quanto à segunda objeção, devemos ser cuidadosos para não excluir, a priori, a possibilidade de que Jesus realmente predisse sua ressurreição, já que de antemão eliminá- la seria retornar ao racionalismo teológico do século XVIII em sua pressuposição contra o sobrenatural. E, se pressuposições filosóficas não podem excluir a predição de Jesus, tampouco o podem as teológicas — por exemplo, de que isso representa uma espécie de "triunfalismo" que minimiza a extensão do sacrifício de Jesus, uma vez que ele sabia que ressuscitaria. Concepções teológicas sobre o que é "apropriado" para a pessoa e obra de Jesus não podem ditar à história o que deve ter acontecido; antes, concepções teológicas podem simplesmente ter de mudar à luz da história, isso sendo atraente ou não às nossas sensibilidades religiosas. A única base para aceitar ou rejeitar as predições de Jesus como históricas deve ser empírica.
Quais, então, são as bases empíricas para se pensar que Jesus não predisse sua ressurreição? Às vezes, assevera-se que a predição de Jesus sobre sua ressurreição é incompatível com o desespero e desesperança dos discípulos. Mas isso falha em contar com as declarações de que os discípulos não podiam entender como um Messias prestes a morrer e ressuscitar seria possível (Mc. 8.32, 9.10). O conceito lhes era totalmente estranho e não fazia sentido de acordo com as concepções do triunfante Rei de Israel, ainda que — Marcos enfatiza — Jesus lhes tenha dito abertamente que sofreria, seria morto e ressuscitaria (Mc. 8.32). É interessante que, quando Jesus diz a Marta que Lázaro ressuscitará, sua reação é: "Sei que ele ressuscitará na ressurreição, no último dia" (Jo. 11.24). Os discípulos podem não ter tido qualquer expectativa de que a profetizada ressurreição de Jesus seria diferente; na realidade, isso fica implícito na questão deles concernente à vinda escatológica de Elias, anterior à ressurreição (Mc. 9.10,11)12. Assim, o fato de que os discípulos falharam em compreender o significado das predições é, realmente, muito plausível e nisso não se pode insistir contra a historicidade delas. Talvez, possa afirmar-se que a linguagem das predições é ex ecclesia e que, portanto, são escritas remontando à vida de Jesus. Mas, de fato, não há palavras nessas predições que o próprio Jesus poderia não ter usado. O uso de "terceiro dia" poderia ter significado somente um curto período13. Mas mesmo se esse detalhe foi acrescentado a partir do querigma, não se acarreta que Jesus poderia não ter predito sua ressurreição. Da mesma maneira, o discurso dos judeus a Pilatos na construção de Mateus, e o tema do terceiro dia refletem a formulação querigmática de I Coríntios 15.4. Na verdade, os judeus podem ter pedido uma guarda para ali ser posicionada durante período indeterminado de tempo, ou durante a festa. As predições da ressurreição terem tomado coloração querigmática não prova que elas não foram proferidas.
Talvez, a mais séria dificuldade com a história da guarda, contudo, é que, se os discípulos não compreenderam o sentido das predições da ressurreição, tampouco os judeus, que tinha muito menos contato com Jesus, entenderiam. Esse é, entretanto, essencialmente um argumento do silêncio, uma vez que Mateus não conta como os judeus souberam da predição de Jesus. Supõe que se têm registrado nos Evangelhos todos os casos em que Jesus falou de sua ressurreição ou que, se essa predição foi levada sub- repticiamente aos judeus, devemos saber sobre isso. É possível que as ações dos judeus não foram motivadas, de modo algum, por qualquer conhecimento das profecias da ressurreição, mas foram simplesmente pensamento posterior para prevenir qualquer problema que pudesse ser causado pelos discípulos, junto ao túmulo, durante a festa. Tomada em conjunto, essas considerações têm peso cumulativo, entretanto, e por si mesmas provavelmente levariam alguém ao ceticismo quanto à historicidade da narrativa da guarda.
Porém, há outras considerações que ficam positivamente a favor dela. Por exemplo, se a história é uma ficção apologética concebida para excluir o roubo do corpo pelos discípulos, a história não é inteiramente bem-sucedida, pois existe óbvio período de tempo durante o qual os discípulos poderiam ter roubado o corpo sem ser detectado — a saber, entre seis horas de sexta-feira à noite e algum momento de sábado de manhã. Por o túmulo já estar vazio quando os guardas o abriram, é possível que já estivesse vazio quando os guardas selaram a pedra. Mateus se esquece de dizer que o sepulcro foi aberto e checado antes de ser selado, de modo que é possível que os discípulos tenham removido o corpo e recolocado a pedra na sexta-feira à noite, após a partida de José. É claro que consideraríamos tal artifício como historicamente absurdo, mas a questão é que, se a guarda é uma invenção cristã visando a refutar a alegação judaica de que os conspiradores discípulos tinham roubado o corpo, o escrito não fez um trabalho muito bom. Para a maneira como uma lenda apologética lida com essa história, veja o Evangelho de Pedro: os escribas, fariseus e anciãos dirigiram-se ao sepulcro, e todos eles rolaram a grande pedra pela entrada do túmulo (sem menção de José de Arimateia, apesar de tudo!), selaram-no sete vezes e mantiveram vigilância. No domingo de manhã, o próprio Jesus é visto saindo do túmulo com dois anjos, e as testemunhas incluíram não somente os soldados e os anciãos, mas também multidão de Jerusalém e do interior que viera para ver o sepulcro! Essa é apologética infalível: os romanos e os judeus são os responsáveis pelo sepultamento de Jesus no mesmo dia da morte dele, permanecem ali sem interrupção e, quando o túmulo se abre, não está vazio, mas Jesus sai de lá diante dos olhos de multidão de testemunhas. Em contraste, no relato de Mateus, a guarda é consideração posterior; o fato de que não foram considerados e colocados ali até o próximo dia poderia refletir o fato de que somente na sexta-feira à noite os judeus souberam que José tinha, contrariamente às expectativas, colocado o corpo em um túmulo, em vez de permitir que fosse descartado em vala comum. Isso poderia ter motivado a incomum visita deles a Pilatos, no dia seguinte.
Mas, talvez, a mais forte consideração a favor da historicidade da guarda é a história da polêmica pressuposta nesse relato. A calúnia judaica de que os discípulos haviam roubado o corpo era, provavelmente, a reação à proclamação cristã de que Jesus ressuscitara14. Essa alegação judaica também é mencionada no Diálogo com Trifão 108, de Justino. Para desmentir tal acusação, os cristãos precisariam apenas de indicar que a guarda junto ao túmulo teria evitado o roubo e que ficaram imobilizados com medo, quando o anjo apareceu. Nesse estágio da controvérsia, não há necessidade de se mencionar o suborno à guarda. Isso surge apenas quando a polêmica judaica responde que os guardas tinham caído no sono, permitindo, assim, que os discípulos roubassem o corpo. O sono dos guardas poderia simplesmente ter sido desenvolvimento judaico, uma vez que não serviria a qualquer propósito para a polêmica cristã. A resposta cristã foi que os judeus subornaram a guarda para dizer isso, e é nesse ponto que a controvérsia permaneceu no tempo da escrita de Mateus. Porém, se essa é provável reconstrução da história da polêmica, fica difícil acreditar que a guarda é anistórica15. Em primeiro lugar, é improvável que os cristãos inventariam uma ficção como a guarda, que todos, especialmente os oponentes judeus, perceberiam nunca ter existido. Mentiras são a mais frágil espécie de apologética que pode haver. Uma vez que a controvérsia judaico-cristã sem dúvida se originou em Jerusalém, é difícil entender como os cristãos poderiam ter tentado refutar a acusação dos oponentes deles, com uma falsificação que teria sido evidentemente irreal, já que nas redondezas não havia guardas que afirmaram ter se postado junto ao túmulo. Mas, em segundo lugar, é ainda mais improvável que, confrontados com mentira tão palpável, os judeus teriam, em vez de expô-la e denunciá-la como tal, começado a criar outra mentira, mais estúpida, de que os guardas caíram no sono enquanto os discípulos violaram o túmulo e foram embora com o corpo. Se a existência da guarda fosse falsa, a polêmica judaica nunca teria tomado o rumo que tomou. Antes, a controvérsia teria parado ali mesmo, com a renúncia de que a guarda havia sido fixada pelos judeus. Nunca chegaria ao ponto em que os cristãos teriam de inventar uma terceira mentira, a de que os judeus subornaram a fictícia guarda. Então, enquanto há razões para se duvidar da existência da guarda junto ao túmulo, há igualmente sérias considerações a seu favor. Parece melhor deixar a questão em aberto. Ironicamente, o valor do relato de Mateus para as evidências a favor da ressurreição nada tem a ver com a guarda, de maneira alguma, ou com a intenção dele de refutar a alegação de que os discípulos roubaram o corpo. A teoria da conspiração tem sido universalmente rejeitada com bases morais e psicológicas, de modo que a narrativa da guarda, como tal, é de fato muito supérflua. Com guarda ou sem guarda, nenhum crítico atual acredita que os discípulos poderiam ter roubado o túmulo e falseado a ressurreição. Antes, o verdadeiro valor do relato de Mateus é informação incidental — e por essa razão muito mais confiável — de que a polêmica judaica nunca negou que o túmulo estivesse vazio, mas em vez disso tentou explicar a situação. Portanto, os próprios antigos oponentes dos cristãos dão testemunho ao fato do túmulo vazio16.

 Bibliografia
1 Esta discussão provém de pesquisa conduzida na Universidade de Munique, com apoio da Fundação Alexander von Humboldt.
2 Cf. Paul Rohrbach, Die Berichte über die Auferstehung Jesu Christi (Berlim: Georg Reimer, 1898), p. 79.
3 Conforme B. A. Johnson, "The Empty Tomb in the Gospel of Peter Related to Mt. 28.1-7" (dissertação de doutorado, Universidade Harvard, 1966), p. 17. Isso não compromete alguém com a visão de Johnson de que essa era uma tradição de aparição.
4 Kirsopp Lake, The Historical Evidence for the Resurrection of Jesus Christ (Londres: Williams & Norgate, 1907; Nova Iorque: G. P. Putnam's Sons, 1907), p. 61; Walter Grundmann, Das Evangelium nach Mathäus, 3rd ed., THKNT I (Berlim: Evangelische Verlagsanstalt, 1972), p. 568; Josef Blinzter, 'Die Grablegung Jesu in historischer Sicht', in Resurrexit, ed. Edouard Dhanis (Roma: Libreria Editrice Vaticana, 1974), p. 82.
5 Evidências de tradição pré-mateana também são encontradas em várias palavras que são hapax legomena para o Novo Testamento: epaurion, paraskeue, planos/plane, kaustodia, asphalizo; igualmente, a expressão "os principais sacerdotes e fariseus" (cf. 21.45) é incomum em Mateus e nunca aparece em Marcos ou Lucas, mas é comum em João (7.32, 45; 9.47,57; 18.3). Para discussão, veja I. Broer, Die Urgemeinde und das Grab Jesu, SANT 31 (Munique: Kösel Verlag, 1972), pp., 69-78; F. Neirynck, 'Les femmes au tombeau: Étude de la rédaction mathéenne', NTS 15 (1968-9): pp. 168-90. Sobre a independência de Mateus e Marcos, veja E. Ruckstuhl and J. Pfammatter, Die Auferstehung Jesu Christi (Lucerna e Munique: Rex, 1968).
6 Contraste o Evangelho de Pedro 8.35-42:
Ora, na noite em que o dia do Senhor alvoreceu, quando os soldados, dois a dois em cada turno, mantinham a guarda, ressoou alta voz no céu, e viram os céus abertos e dois homens de lá desceram em grande brilho e se aproximaram ao sepulcro. A pedra que havia sido colocada junto à entrada do sepulcro começou, por si mesma, a rolar, e moveu-se para o lado; e o sepulcro foi aberto, e ambos os jovens entraram nele. Quando, então, os soldados viram isso, despertaram o centurião e os anciãos — pois eles também estavam lá para ajudar na vigilância. E, enquanto relatavam o que tinham visto, viram novamente três homens saindo do sepulcro, e dois deles sustentando o outro, e uma cruz os seguindo, e as cabeças dos dois chegando até o céu; mas aquele que, pelas mãos, era levado por eles ultrapassava os céus. E ouviram uma voz dos céus, gritando: 'Pregaste aos que dormem?', e da cruz ouviu-se a resposta 'Sim'."
e a Ascensão de Isaías 3.16:
"Gabriel, o Anjo do Espírito Santo, e Miguel, o chefe dos santos anjos, ao terceiro dia abrirão o sepulcro: e o Amado sentado sobre seus ombros se revelará".
7 Grundmann, Matthäus, p. 565; John E. Alsup, The Post-Resurrection Appearance Stories of the Gospel- Tradition, CTM A5 (Stuttgart: Calwer Verlag. 1975), p. 117.
8 Assim, Grass diz que, além das particularidades, a história da guarda é inacreditável, porque guardas pagãos teriam visto a ressurreição (Hans Grass, Ostergeschehen und Osterberichte, 4. ed. [Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1970], p. 25.). Von Campenhausen também declara que a história implica que guardas pagãos seriam testemunhas da ressurreição, e não podemos concordar que isso deveria acontecer (Hans Freiheirr von Campenhausen, Der Ablauf der Osterereignisse und das leere Grab, 3. ed. rev., SHAW [Heidelberg: Carl Winter, 1966], p. 29). Similarmente, O'Collins faz a estarrecedora asserção de que, se Anás e Caifás estivessem com os discípulos quando Jesus apareceu, eles não teriam visto nada (Gerald O'Collins, The Easter Jesus[Londres: Carton, Longman & Todd, 1973], p. 59). E isso apesar do que Grass repetidamente descreve como o "realismo massivo" dos Evangelhos! Cf. Koch, Auferstehung, pp. 59-60, 204, que se escandaliza com a objetividade das aparições do evangelho, as quais ele em vão tenta construir em categorias completamente subjetivas.
9 Sobre a concordância entre Paulo e os Evangelhos acerca da natureza do corpo da ressurreição, veja Robert H. Gundry, Soma in Biblical Theology (Cambridge: Cambridge University Press, 1976), pp. 159-83; Ronald J. Sider, 'The Pauline Conception of the Resurrection Body in I Corinthians XV.35-54', NTS 21 (1975): pp. 428-39; Alexander Sand, Der Begriff 'Fleisch' in den paulinischen Hauptbriefen, BU 2 (Regensburg: Friedrich Pustet, 1967), pp. 152-3; Jean Héring, La première épitre de saint Paul aux Corinthiens, 2. ed., CNT 7 (Neuchatel, Suíça: Delachaux et Niestlé, 1959), pp. 146-8; H. Clavier, 'Brèves remarques sur la notion de soma pneumatikon', in The Background of the New Testament and Its Eschatology, ed. W. D. Davies e W. Daube (Cambridge University Press, 1956), pp. 342-62; Wilhelm Michaelis, Die Erscheinungen der Auferstandenen (Basileia: Heinrich Majer, 1944), p. 96.
10 Veja Ernst Lohmeyer, Das Evangelium des Matthäus, 4. ed., ed. W. Schmauch, KEKNT (Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1967), p. 400.
11 Lake, Evidence, p. 178; Willi Marxsen, The Resurrection of Jesus of Nazareth, trad. Margaret Kohl (Londres: SCM, 1970), p. 46; Grundmann, Mätthaus, p. 571. Orr pensa que os guardas aceitando suborno não é algo tão forçado, uma vez que a fuga deles já era violação de dever (James Orr, The Resurrection of Jesus (Londres: Hodder & Stoughton, 1909], p. 160). Von Campenhausen levanta outros absurdos, tal como o fato de que a guarda se reportou aos judeus e que os cristãos, apesar da mentira dos guardas, sabiam de tudo (Von Campenhausen, 'Ablauf', p. 29). Mas o primeiro ponto é evidência de que a guarda era judaica; o segundo não nos deve surpreender, já que conspirações secretas quase sempre vêm à luz. De qualquer maneira, a conversa dos judeus com Pilatos é provavelmente uma imaginativa reconstrução cristã do que eles inferiram ter acontecido, o que explicaria o tema do terceiro dia e a linguagem querigmática empregada.Perry considera a colocação de uma guarda judaica junto ao túmulo, pelos judeus, sem conhecimento da predição de Jesus, como historicamente defensável (Michael Perry, The Easter Enigma, com Introdução de Austin Farrer [Londres: Faber & Faber, 1959], pp. 98-9).
12 Embora a doutrina da ressurreição seja atestada no Antigo Testamento e tenha florescido no período intertestamentário, a concepção judaica sempre era de uma ressurreição geral e escatológica. Em lugar algum, encontra-se qualquer noção da ressurreição de um indivíduo isolado ou de uma ressurreição antes do fim do mundo (Veja as observações de Ulrich Wilckens,Auferstehung, TT 4 [Stuttgart e Berlim: Kreuz Verlag, 1970], p. 31; Joachim Jeremias, 'Die älteste Schicht der Osterüberlieferung', in Resurrexit, p. 194). Portanto, o equívoco dos discípulos tem conotação histórica.
13 Barnabas Lindars, New Testament Apologetic: The Doctrinal Significance of Old Testament Quotations (Filadélfia: Westminster Press, 1961; Londres: SCM Press, 1961), pp. 59- 72; O'Collins, Easter, p. 12. Ainda que se concorde com Lehmann que o tema do terceiro dia é expressão teológica, retirada da LXX e posteriormente elaborada na exegese rabínica, significando o dia da libertação, vitória e tomada de controle da parte de Deus (Karl Lehmann, Auferweckt am dritten Tag nach der Schrift, QD 38 [Friburgo: Herder, 1968], pp. 262-90), não há motivo, se a igreja primitiva poderia ter usado essa expressão, para que Jesus não a pudesse ter usado com o mesmo sentido, ao predizer sua ressurreição. Hooke também nos lembra que todos os ditos escatológicos de Jesus pressupõem sua ressurreição, como o fazem suas declarações durante a Última Ceia (S. H. Hooke, The Resurrection of Christ as History and Experience [Londres: Darton, Longman & Todd, 1967], p. 30; cf. Michael Ramsey, The Resurrection of Christ [Londres: Centenary Press, 1945], pp. 38-9).
14 A proclamação pode ter sido nas palavras duas vezes repetidas em Mt. 27.64; 28.7: "Ele ressuscitou dos mortos". Contrariamente a Grass, Ostergeschehen, p. 23, isso poderia evocar a reação de que os discípulos roubaram o corpo, se o próprio túmulo vazio era argumento apologético.
15 O argumento pressupõe que ou que a tradição subjacente é pré-mateana ou que o próprio evangelho foi escrito antes de 70 AD, pois depois desse tempo as pessoas em posição de saber a verdade teriam sido mortas ou dispersadas. Que a tradição seja pré-mateana fica claro: (1) a polêmica judaica por trás da história muito provavelmente surgiu da própria Jerusalém, em reação à proclamação apostólica da ressurreição. (2) Uma reconstrução da história da polêmica mostra que Mateus herdou a controvérsia sobre a guarda. Que ele não tenha inventado a guarda desde o princípio para contra-atuar diante da simples acusação judaica de roubo fica evidente a partir dos elementos do sono e do suborno dos guardas. (3) A própria narrativa contém características não-mateanas, como indicado na nota 5. Que o Evangelho de Pedro conheça tradição não- mateana da história da guarda também indica que a história não se originou com Mateus. Uma vez que a controvérsia, dessa maneira, antedata a destruição de Jerusalém, é muito difícil construí-la como calorosa discussão sobre uma entidade imaginária. Essa conclusão só é reforçada se o próprio Mateus foi escrito antes de 70 AD, como sustentado, por exemplo, por Bo Reicke, 'Synoptic Prophecies on the Destruction of Jerusalem', in Studies in New Testament and Early Christian Literature, ed. D. E. Aune (Leiden: E. J. Brill, 1972), pp. 121-34; J. A. T. Robinson, Redating the New Testament (Londres: SCM Press, 1976), pp. 19-26, 86-117.
16 Mahoney objeta que os judeus argumentaram como fizeram somente porque teria sido "sem graça" dizer que o túmulo era desconhecido ou estava perdido (Robert Mahoney, Two Disciples at the Tomb, TW 6 [Berna: Herbert Lang, 1974], p. 100). Mas nisso Grass está correto: se o sepulcro fosse desconhecido ou estivesse perdido, os pregadores da ressurreição teriam se deparado com a reação de Atos 2.13: "Eles estão embriagados com vinho". Seriamente duvido se o ser "sem graça", incolor, seria considerado pela hierarquia judaica como algo tão grosseiro que eles preferiram inventar o túmulo vazio para os cristãos. E, se o local do sepultamento de Jesus era conhecido, como é provável (Blinzler, 'Grablegung', pp. 94-6, 101-2), a reação dos judeus se torna ainda mais problemática: pois, em vez de apontarem para o túmulo de Jesus ou exporem o cadáver, eles se emaranharam em desesperada série de absurdos, tentando explicar a ausência do corpo dele. O fato de os inimigos do Cristianismo terem se sentido obrigados a explicar o túmulo vazio mostra não somente que o túmulo era conhecido (confirmação da história do sepultamento), mas também que estava vazio.
© William Lane Craig


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