Ao longo da história, muitos cristãos creram "nas almas dos homens e dos animais", usando uma expressão de Gottfried Wilhelm Leibniz. Os animais e os humanos são compostos de uma entidade não material - uma alma - e um corpo. A principal ênfase da Bíblia está na unidade funcional e holística do ser humano. Mas esta unidade inclui uma distinção dualista entre corpo e alma. A alma humana, imortal por natureza, é capaz de entrar em um estado intermediário e desencarnado depois da morte, e ser depois reunida a um corpo ressuscitado. Em contraste, as almas dos animais não refletem a imagem de Deus e muito provavelmente não sobrevivem à morte.
O dualismo apresenta duas correntes principais de argumentação: termos antropológicos bíblicos e o ensinamento bíblico sobre a vida após a morte.
1. Termos antropológicos do Antigo Testamento. Os termos antropológicos bíblicos exibem uma ampla variedade de significados, e por isso devemos nos preocupar em interpretar cada ocorrência em seu contexto. Os dois termos mais importantes do Antigo Testamento são nephesh (frequentemente traduzido como alma) e ruach (frequentemente traduzido como "espírito").
As vezes, nephesh se refere a Deus como um ser imaterial e transcendente, onde se concentram mente, vontade, emoções, etc. (Jó 23.13; Am 6.8). Isto se aplica, de maneira similar, aos humanos (Dt 6.5; 21.14; Pv 21.10;Is 26.9; Mc 7.1) e também se refere à entidade vital que torna todas as coisas vivas (Sm 30.3; 86.13; Pv 3.22). Finalmente, nephesh se refere ao centro continuado da identidade pessoal, que parte para a vida após a morte, depois do último suspiro (Gn 35.18; cf. 1Rs 17.21,22; Sl 16.10; 30.3; 49.15; 86.13; 139.8; Lm 1.1). A Bíblia fala regularmente de morte e ressurreição em termos de partida e do retorno da alma. Na realidade, o problema da necromancia, por toda a história de Israel (o costume de tentar se comunicar com os mortos no seol, confira Dt 18.9-14, 1Sm 28.7-25) parece pressupor a ideia de que as pessoas continuam a viver vidas conscientes depois da morte de seus corpos.
Ruach, palavra frequentemente traduzida como "espírito", às vezes significa um poder vital, que imbui alguma coisa, e a anima, e lhe dá vida e consciência. Assim, a ruach no homem é formada por Yahweh (Zc 12.1), se origina dele e retorna a Ele, sendo o que dá a vida ao homem (Jó 34.14). Em Ezequiel 37, deus toma ossos secos, reconstitui corpos humanos de carne, e então adiciona uma ruach a esses corpos, para torná-los pessoas vivas (Gn 2.7). Não existe ruach em ídolos físicos, e por isto eles não podem se levantar e ganhar consciência (Jr 10.14; Hc 2.19). Ruach também se refere a um ser independente, invisível, consciente, como quando deus emprega um espírito para realizar algum propósito (1Rs 22.21-23; 2Rs 19.7). Neste sentido, Yahwed é chamado de Deus dos espíritos de toda carne (Nm 27.16;cf. 16.22). Aqui, "espírito" significa um ser individual e consciente, distinto do corpo. Além disto, ruach também se refere à sede de vários estados de consciência, incluindo a vontade (Dt 2.30; Sl 51.10-12; Jr 51.11), o pensamento (Is 29.24), a emoção (JZ 8.3; 1Rs 21.4), e condição moral ou espiritual de uma pessoa (PV 18.14; Ec 7.8).
2. O que o Antigo Testamento diz sobre a vida após a morte. O Antigo Testamento retrata a sobrevivência individual depois da morte física, em uma forma desencarnada. Os mortos no seol são chamados rephaim. O ensino do Antigo Testamento sobre a vida após a morte é mais bem interpretado em termos de uma forma reduzida, embora consciente, de sobrevivência pessoal desencarnada, em um estado intermediário. Em primeiro lugar, o Antigo testamento comumente retrata a vida no seol como letárgica, inativa, e semelhante a um estado de coma inconsciente (Jó 3.13; Sl 88.10-12; 115.17,18; Ec 9.10; Is 38.18). Todavia, ele também descreve os mortos no seol como em meio a suas famílias, despertos e ativos (is 14.9,10). Em segundo lugar, as Escrituras hebraicas proíbem claramente a prática da necromancia (a tentativa de comunicação com os mortos - Lv 19.31; 20.6; Dt 18.11; 1Sm 28; Is 8.19 - versão NTLH). Em terceiro lugar, de acordo com o Antigo Testamento, a nephesh - uma pessoa consciente sem carne e sem ossos - parte para Deus na morte (SL 49.15).
3, Termos antropológicos do Novo Testamento. Várias passagens do Novo Testamento usam pneuma (espírito) ou psyche (alma) em um sentido dualista. Hebreus 12.23 se refere aos seres falecidos, mas existentes, na Jerusalém celestial, como "os espíritos dos justos aperfeiçoados". Apocalipse 6.9-11 se refere aos santos mortos como as "almas" dos mártires que estão em estado intermediário, esperando pela ressurreição final (20.5,6). Vários textos se referem à morte como "entregar o espírito" (Mt 27.50; Lc 23.46; 24.37; Jo 19.30). Mateus 10.28 diz, "não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei, antes, aquele que pode fazer perecer no inferno a alma e o corpo". Neste texto, psyche parece se referir claramente a algo que pode existir sem o corpo.
4. O ensinamento do Novo Testamento sobre o estado intermediário. Certas passagens do Novo Testamento parecem afirmar um estado intermediário e desencarnado entre a morte e a ressurreição final. Por exemplo, há a passagem da transfiguração (Mt 17.1-13), em que Elias (que nunca morreu) e Moisés (que tinha morrido) aparecem a Jesus. A maneira mais natural de interpretar este texto é com o entendimento de que Moisés e Elias continuavam a existir (Moisés não foi recriado para este evento), e foram tornados temporariamente visíveis. Assim, a passagem da transfiguração parece sugerir um estado intermediário e desencarnado.
Em Lucas 23.43, Jesus prometeu ao ladrão n cruz, " hoje estarás comigo no Paraíso". A palavra "hoje" deve ser interpretda no seu sentido natural, ou seja, significando que o homem estaria com Jesus naquele mesmo dia, no estado intermediário, depois de suas mortes.
Em 2 Coríntios 5.1-10, e Filipenses 1.21-24, Paulo se referiu a um estado posterior à morte, e anterior à ressurreição, em que as pessoas tem uma exist~encia consciente e desencarnada ("nua", "despida") na presença de Deus.
Em 2 coríntios 12.1-4, Paulo admitiu que, durante uma experiência visionária, ele não sabia se estava em seu corpo ou se estava temporariamente desencarnado. Como Paulo se considerava como alma/espírito unido a um corpo, o futuro estado desencarnado era uma possibilidade real para ele.
J P Moreland