segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

...pela fé. (parte I)




A Salvação pela Fé
por
John Wesley


“Pela graça sois salvos, mediante a fé” (Ef 2,8).

1. Todas as bênçãos que Deus tem dado ao homem provêm da sua mera graça, generosidade ou favor; favor totalmente imerecido: o homem não tem nenhum direito à menor misericórdia divina. Foi a graça livre que formou o homem do pó da terra e lhe soprou nas suas narinas o fôlego da vida e imprimiu na alma a imagem de Deus e “pôs tudo sob seus pés”. (Gn 2,7; Sl 8,6).

2. A mesma graça livre nos concede hoje vida, respiração e tudo mais, pois não há nada que somos ou temos ou fazemos que não provenha da mão de Deus. “Todas as nossas obras, tu, oh Deus as fazes por nós” (At 17,25). Assim, elas são tantas outras manifestações de livre misericórdia, e toda justiça encontrada no homem, será também uma dádiva de Deus.

3. Então, como o pecador fará expiação pelo menor de seus pecados? Com suas próprias obras? Não ainda que estas sejam muitas ou sejam santas, não provêm dele, mas senão de Deus. Na verdade, todas são ímpias e pecaminosas, por si mesmas; portanto, todos carecem de uma nova expiação. Só frutos maus nascem de uma árvore corrupta. Como o coração do homem é totalmente corrupto e abominável, ele “carece da glória de Deus”, daquela gloriosa justiça primitiva expressa na sua alma, segundo a imagem de seu grande Criador. Assim, nada tendo, nem justiça nem obras para reivindicar, sua boca totalmente se cala perante Deus.

4. Se “os pecadores acharem graça diante de Deus, é graça sobre...” (Jô 1,16). Se Deus se digna ainda a derramar novas bênçãos sobre nós, sim, a maior de todas elas, a salvação; que podemos dizer a essas coisas senão “graças a Deus pelo seu Dom inefável”. E assim é. Nisto “Deus prova seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido para nos salvar, sendo nós ainda pecadores”. “Pela graça, então, sois salvos, mediante a fé”. A graça é a fonte e a fé a condição da salvação.

Agora, pois para não estarmos privados da graça de Deus, convém inquirir cuidadosamente:

I— Qual é a fé mediante a qual somos salvos?

II— Qual é a salvação que é mediante a fé?

III— Como podemos responder a algumas objeções?


Qual é a fé mediante a qual somos salvos?

Primeiramente, não é a mera fé de um pagão. Deus exige que um pagão creia “que Deus existe e que se torna doador dos que diligentemente o buscam” e que ele deve ser buscado, glorificando e louvando a Deus por tudo e por uma consciente prática da virtude moral da justiça, misericórdia e verdade para com seus semelhantes.

1. O grego ou romano, sim, um cita ou indiano não tinha desculpa se não acreditasse pelo menos nisto: a existência e os atributos de Deus, o estado futuro de recompensa ou punição, e a natureza obrigatória da verdade moral, pois essas coisas se constituem na crença de um pagão.

2. Nem é, em segundo lugar, a fé de um diabo, embora ela vá muito além da do pagão, Deus. Até aí vai a fé de um diabo.

3. Em terceiro lugar, a fé por meio de que somos salvos, no sentido que será explicado mais adiante, não é apenas aquela que os apóstolos tinham quando Cristo estava ainda no mundo. Embora crer a ponto de “deixar tudo e segui-lo” e quanto tivessem o poder de operar milagres, “a curar toda a espécie de doenças e enfermidades”, tinham “poder e autoridade sobre todos os demônios” e o que mais foram enviados pelo seu Mestre para “pregar o Reino de Deus”. No entanto, depois de realizadas todas essas proezas, o próprio Senhor deles os chama de “geração incrédula”. Ele lhes diz que “não podiam expelir um demônio por causa da sua incredulidade”. Mais tarde, supondo já terem uma medida da fé, eles lhe pediram: “aumenta a nossa fé”. No entanto, ele lhe diz claramente que não possuíam nada dessa fé, nem fé como a de um grão de mostarda. “Respondeu-lhes o Senhor: se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a esta amoreira: arranca-te e transplanta-te no amor e ela vós obedecerá”.

4. Qual é, então, a fé mediante a qual somos salvos? Podemos responder, primeiro, de modo geral, é a fé em Cristo; Cristo e Deus. Através de Cristo, são os seus próprios objetos. Nisso se distingue suficiente e absolutamente da fé de pagãos, quer antigos, quer modernos. Ela se distingue plenamente da fé de um diabo por não ser meramente especulativa e racional, um frio e morto assentimento, um elenco de idéias na cabeça; é, antes, uma disposição do coração, pois a Escritura declara: “Com o coração se crê para a justiça” e “se com a tua boca confessares a Jesus como Senhor e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos será salvo”.

5. Difere daquela fé que os próprios apóstolos tinham quando nosso Senhor estava no mundo e reconhece a necessidade e o mérito de sua morte e o poder de sua ressurreição. Reconhece sua morte como suficiente meio de redimir o ser humano da morte eterna, e sua ressurreição como a restauração de todos nós a vida e mortalidade e isto porque ele “foi entregue por causa das nossas transgressões e ressuscitou por causa da nossa justificação”.

A fé cristã não é, então, um assentimento a todo o Evangelho de Cristo, mas antes uma plena confiança no sangue de Cristo, uma confiança nos méritos de sua vida, morte e ressurreição, um descansar nele como nossa propiciação e nossa vida, como dado por nós e vivendo em nós. É uma segura confiança que alguém tem em Deus e que, através dos méritos de Cristo, seus pecados estão perdoados, e ele está reconciliado ao favor de Deus e, como conseqüência, uma aproximação dele e um apego a ele, como nossa “sabedoria, justiça, santificação redenção” ou, numa palavra, nossa salvação.


O segundo ponto a ser considerado é: qual é a salvação que é mediante a fé?

Primeiramente, qualquer coisa mais que lhe esteja implícito, trata-se de uma salvação presente. É algo atingível, sim, na terra por aqueles que participam dessa fé. Assim, o apóstolo fala aos crentes de Éfeso, e por eles aos crentes de todos os tempos: “sereis (embora isso também seja verdadeiro), mas ele diz, “sois salvos mediante a fé”.

Sois salvos (para abarcar tudo numa só palavra) do pecado. Esta é a salvação mediante a fé: e aquela grande salvação predita pelo anjo, antes de Deus trazer ao mundo seu primogênito: “Tu o chamarás com o nome de Jesus, pois ele salvará o seu povo dos seus pecados”. Nem aqui, nem em outra parte do Escrito Sagrado, aparece qualquer limitação ou restrição. Todo o seu povo, ou como se diz em outros lugares, “todos o que nele crêem”, ele salvará de todos os seus pecados, do pecado original e atual, do pecado passado e presente, da carne e do espírito. Mediante a fé nele, são salvos tanto da culpa quanto do poder do pecado.

Primeiro da culpa de todo o pecado passado. Consideramos que “todo o mundo está culpado perante Deus”, ao ponto que, se ele fosse “observar todos as iniqüidades, ninguém subsistiria”. Consideramos que “pela lei vem somente o conhecimento do pecado”, nenhuma libertação advém dela, de forma que “ninguém será justificado diante dele por cumprir as obras da lei, mas agora, se manifestou a justiça de Deus, mediante a fé em Jesus Cristo”. Agora, “são justificados gratuitamente por sua graça, mediante a redenção que há em Jesus Cristo, a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação para manifestar a sua justiça pela remissão dos pecados anteriormente cometidos”. Agora, Cristo tirou “a maldição da lei, fazendo-se ele próprio, maldição em nosso lugar”. Ele tem “cancelado o escrito de dívidas que era contra nós, removendo-o inteiramente, encravando-o na cruz”. Agora, pois já nenhuma condenação há para os que crêem em Cristo Jesus.

E, salvos da culpa, são salvos do medo. Na verdade, não do temor filial de ofender (a Deus), mas de todo o medo servil, daquele “medo que produz tormento”, do medo da punição, do medo da ira de Deus, que eles não mais encaram como um Senhor severo, mas como Pai benigno. “Não receberam o espírito da escravidão, mas o espírito da adoção, baseado no qual clamam: Aba Pai. O próprio espírito testifica com o seu espírito, que são filhos de Deus”. São salvos do medo, embora não da possibilidade de caírem da graça de Deus e de não alcançarem as grandes e preciosas promessas; são “selados com o Santo Espírito da promessa, o qual é o penhor da sua herança”. Assim, “têm paz com Deus por meio de nosso senhor Jesus Cristo. Regozijam-se na esperança da glória de Deus. E o amor de Deus é derramado no seu coração pelo Espírito Santo que lhes foi outorgado”. Por isso, são “persuadidos” (embora talvez não sempre, nem com a mesma plenitude de persuasão) de que “nem morte, nem vida, nem coisas do presente, nem do porvir, nem altura, nem profundidade, nem qualquer outra criatura os poderá separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus, nosso senhor”.

Ainda mais: mediante essa fé, são salvos do poder do pecado, bem como da culpa dele. Assim, o apóstolo declara: “Sabeis que ele se manifestou para tirar os pecados e nele não existe pecado. Todo aquele que permanece nele não peca”. Também, “filhinhos, não vos deixeis enganar por ninguém. Aquele que pratica o pecado procede do diabo”. “Todo aquele que crê é nascido de Deus” e “todo aquele que é nascido de Deus não peca, pois o que permanece nele é a divina semente; ora esse não pode pecar, porque é nascido de Deus”. Também: “nós sabemos que todo o que nasceu de Deus não peca; o que foi gerado por Deus o guarda e o maligno não o pode atingir”.

Aquele que, pela fé, nasce de Deus, não peca, (1) por qualquer pecado habitual, pois todo o pecado habitual é pecado dominante, mas o pecado não pode dominar a qualquer um que creia; nem (2) por pecado intencional, pois sua vontade, enquanto ele permanece na fé, está absolutamente contrária a todo pecado e o odeia como veneno mortal; nem (3) por qualquer desejo pecaminoso, porque ele deseja continuamente a santa e perfeita vontade de Deus; portanto, qualquer tendência a um desejo impuro a ele sufoca pela graça de Deus; também (4) ele não peca por fraquezas, quer em ato, palavra ou pensamento, pois suas fraquezas não são apoiadas pela sua vontade; e, sem isso, não são, propriamente, pecados. Assim, “todo aquele que nasceu de Deus não peca” e, embora não possa dizer que não tenha pecado, “ele não peca”.

Essa é, então, a salvação pela fé, mesmo no mundo presente: salvação do pecado e das suas conseqüências, ambas comumente implícitas na palavra justificação. Isto, tomado no seu sentido mais largo, implica em libertação da culpa e da punição, pela expiação, de Cristo, efetivamente aplicada à alma do pecador que agora crê nele, e em uma libertação de todo o corpo do pecado, por meio de Cristo formado em seu coração. De sorte que aquele assim justificado, ou salvo pela fé, realmente é nascido de novo. Nasceu novamente do Espírito para uma vida nova que “Ele é a nova criatura: as coisas velhas já passaram; eis que fizeram novas”. Como um recém nascido, alegremente recebe, o genuíno leite racional da palavra, cresce por meio dele e prossegue no poder do Senhor, seu Deus, de fé em fé, de graça em graça, até chegar, afinal, “à perfeita varonilidade, à moda da estatura da plenitude de Cristo”.

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