segunda-feira, 9 de setembro de 2013

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Então, qual é o lugar da moralidade?


Em uma conferência no exterior, fui abordado por uma jovem mulher, que perguntou se poderia conversar comigo em particular. Tão logo encontramos um par de poltronas e nos sentamos para conversar, fui informado de que ela estava a quilômetros de distância de seu país natal e que tinha vivido algumas experiências terríveis. Sua mãe havia sido uma linda mulher, mas seu pai, de acordo com suas palavras, não tinha a mesma aparência admirável. Mediante um casamento arranjado, começaram a vida em comum, porém seu pai sempre se ressentiu da beleza da mulher e dos elogios que recebia, já que jamais era alvo de cumprimentos. Seus pensamentos distorcidos o levaram ao ciúme doentio, pelo temor que algum homem pudesse tirá-la dele, assim, fez planos para impedir qualquer possibilidade disso acontecer. Um dia, ao voltar para casa, enquanto conversava com a esposa no quarto, retirou da bolsa um vidro de ácido e jogou o conteúdo na face da mulher. Em um segundo, transformou a bela face da esposa em um rosto horrendamente marcado. Em seguida, virou-se e abandonou a casa.




Nesse ponto da conversa, duas décadas tinham se passado desde que mãe e filha o tinham visto pela última vez. A jovem, agora na faixa dos vinte anos, era pequena quando esse trágico evento aconteceu, e a amargura no seu coração ainda permanecia tão viva quanto no dia em que viu a face da sua mãe transformada de beleza em feiúra – tão terrivelmente deformada que a pobre mulher forçava a pequenina a cobrir o rosto para não ver o que havia sido feito com o rosto da mãe.

Mas a história não acabou aí. Poucos dias antes de nossa conversa, a mãe, que sustentou a família sozinha, ouviu notícias sobre o marido que a abandonou. Estava morrendo de câncer e vivendo sozinho. Ele queria saber se a esposa o receberia de volta e cuidaria dele na última etapa da doença. O pedido audacioso foi um ultrage para a jovem. Entretanto a mãe, uma devota seguidora de Jesus Cristo, implorou aos filhos que a deixassem receber o marido e cuidar dele enquanto ele se preparava para a morte.

Nessa história, vemos todos os elementos da decadência humana e o poder do coração remido. Levando-se em consideração apenas a moralidade, ele estava recebendo o que merecia. O coração remido diz: “Deixe-me cuidar de suas feridas, pois sua alma precisa de cuidados”. A moralidade: “Não há nada de razoável no pedido do homem”. O coração remido diz: “O coração misericordioso que não guarda mágoa é a razão pela qual vivemos”. A moralidade diz: “Depende do que você crê ser certo ou errado”. O coração remido diz: “O que Deus gostaria que eu fizesse nessa situação?”. A moralidade diz: “Faça seu julgamento”. O coração remido diz: “Não julgue, a menos que queira ser julgado pelos mesmos critérios”. E, em resumo, a moralidade é uma faca de dois gumes. Ela corta quem a segura, mesmo que a intenção seja ferir o outro.

Muitas vezes tenho me perguntado se muitas pessoas que falam o nome de Jesus não carecem dessa verdade. Penso, também, que ao desconhecer isso, perdemos a coisa mais importante que não raro está escondida no que parece ser o ponto principal. Ao nos postarmos perante Deus, não me surpreenderia descobrir que o verdadeiro foco da história do filho pródigo era na verdade o irmão mais velho; que o verdadeiro foco da história do bom samaritano era o sacerdote e o levita que seguiram seu caminho; que o verdadeiro foco da história das mulheres chegando primeiro a tumba é o fato de os discípulos não o terem feito; que o verdadeiro foco da história de Jó era os seus amigos moralizadores. Quem age de acordo com as regras pensa às vezes que isso é o suficiente e merece a devida recompensa. Entretanto, Deus repetida vezes mostra que sem redenção do coração, a moralidade é vazia.

No jardim, não fomos nós os condenados, mas somos nós que tentamos condenar Deus, culpando-o pela situação e queremos redefinir tudo. Se tivéssemos obedecido a tudo, ainda assim teríamos perdido se chegássemos à conclusão errônea de que merecíamos o que o jardim oferecia. Qual é então a lei moral no crente?

Como isso funciona em minha vida? Que lugar ocupa a lei moral? Os fios são tantos, o padrão é complexo – porém a análise é simples. Nosso arcabouço moral é crucial no respeito que mostramos por nós mesmos e pelos outros seres humanos. Pense nisso como a cunhagem de sua vida e de sua rotina diária. Mas essa cunhagem não terá valor se não estiver baseada nas riquezas do plano de Deus para seu bem-estar espiritual.

A moralidade é fruto do conhecimento de Deus, conscientemente ou não. Entretanto, ela jamais deve constituir a raiz de nossa afirmação perante Deus. A moralidade pode dar vazão ao orgulho, e também a filantropia. A verdadeira espiritualidade nunca se submeterá ao orgulho. Dito tudo isso, a moralidade é ainda o terreno onde o espírito criativo da arte e de outras disciplinas pode se desenvolver. Porém, caso se desenvolva no sentido de uma auto-valorização exagerada, então será a moralidade pela moralidade. Se florescer em direção ao céu, levará outras pessoas a Deus.

A lei moral também serve como profunda advertência de que em Deus não há contradição. A lei moral se mostra como expressão do caráter divino consistente e livre de contradições. Se violar essa lei, penso, trarei contradição para a minha vida; e ela começará a desmoronar. É por isso que o espírito humilde, quando honra a Deus, percebe quão perto e, no entanto, quão longe ele está de Deus.


O grande tecelão – Ravi Zacharias – páginas 88 a 91


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