sábado, 3 de fevereiro de 2018

Argumentos que se autorrefutam.




Algumas ideias tendem a se autodestruírem ao se apresentarem. Sua tarefa é apenas ressaltar essa tendência, e então observar tal ideia se desmoronar lentamente.



Durante o processo de desenvolvimento de uma fé racional, percebemos às vezes que defender-se contra um oponente não exige de nós nenhum esforço. Em certas ocasiões, a maneira mais fácil de lidar com um ponto de vista contrário ao seu não é alimentá-lo com mais informações, mas, sim, usar uma tática que revele a falácia do raciocínio do seu objetor. Umas das mais eficazes é uma que eu chamo de tática do “suicídio”.


Certa vez alguém disse que se você der corda o bastante para uma pessoa, ela irá se enforcar. A tática do “suicídio” tira vantagem da tendência de muitos argumentos se autodestruírem quando são enunciados. Essas ideias caem na armadilha de sua própria esperteza e logo se evaporam.


Elas são comumente conhecidas como pensamentos que se autorrefutam, ou seja, ideias que anulam a si mesmas. Não raro, pensamentos que se autorrefutam são evidentes. A declaração “Meu irmão é filho único” é um exemplo. Um outro exemplo  foi visto impresso na camiseta de um estudante de filosofia. Na frente, lia-se: “A frase na parte de trás dessa camiseta é falsa.” Atrás, estava escrito, “A frase na parte da frente dessa camiseta é verdadeira”.



Se for verdadeira, é falsa

 


Uma visão que se autorrefuta é necessariamente falsa. Não lhe é nem possível ser verdadeira. Mas se der a impressão de ser à primeira vista, ainda assim se provará falsa. Eis a razão.

O filósofo J. P. Moreland observa que toda declaração é sobre alguma coisa. Por exemplo, “Cachorros têm pulgas” é sobre cachorros. Às vezes, algumas afirmações incluem em si próprias aquilo a que elas estão se referindo. A frase “Todas as sentenças em português são curtas” refere-se a todas as sentenças em português, incluindo ela mesma. Quando uma afirmação falha em satisfazer seu próprio critério de validade, temos uma afirmação que anula a si mesma. Não há possibilidade de ela ser verdadeira.

Outro exemplo, a sentença “Não sei falar uma palavra em português” se autorrefuta quando pronunciada em português. A afirmação de que não há frases com mais de cinco palavras também é necessariamente falsa (conte as palavras). Da mesma forma, ideias que se autorrefutam já trazem dentro de si as sementes de sua própria destruição. Expressam uma contradição e, portanto, um conceito que anulam a si mesmas. Sua tarefa é apenas ressaltar isso e depois observar esse conceito se destruir. Se você estiver atento, isso pode ser feito quase sem esforço, como Charlie Brown demonstra nesse diálogo com Sally:

Sally: “‘Não!’ Esta é minha nova filosofia. Não me interessa o que qualquer pessoa diga, a resposta é ‘Não!’.”
Charlie Brown: “Esta é sua nova filosofia, certo?”
Sally: “Sim! Quer dizer, ‘Não!’…[Desesperando-se] Você destruiu minha nova filosofia.”

Isso acontece o tempo todo. Durante uma transmissão de rádio, discordei da teologia de alguns televangelistas. Imediatamente fui contestado por um ouvinte que ligou e disse: “Você não deveria corrigir líderes cristãos de forma pública numa rádio”. Eu respondi, “Então por que você está ligando para me corrigir de forma pública em meu programa de rádio?”


Já outros, convencidos de que argumentar é proibido pelas Escrituras, argumentam com persistência de que estou sendo desobediente às ordens bíblicas ao assumir posicionamentos contrários aos de meus ouvintes.


Há os que rejeitam a missão da apologética por acharem que a razão nunca é adequada na busca de descobrir a verdade. Em seguida, essas mesmas pessoas listam, de forma sistemática, as razões que as levam a pensar que a opinião delas é verdadeira.

Aqui estão alguns outros exemplos evidentes que encontrei ao longo dos anos:

“Não existe verdade.” (Essa sentença é verdadeira?)
“Não existem absolutos.” (Você tem certeza absoluta disso?)
“Ninguém pode saber nenhuma verdade sobre religião.” (E de que maneira, exatamente, você veio a saber essa verdade sobre religião?)
“A ciência é o único método seguro de descobrir a verdade.” (Que experimento científico te ensinou essa verdade?)

Abaixo mais exemplos diretos de declarações que se autorrefutam. Como você revelaria as falhas delas?

“Não se pode saber nada com certeza.”
“Falar sobre Deus é algo sem sentido.”
“Só se pode conhecer a verdade através da experiência.”
“Acho que não devemos impor aos outros os valores de outra pessoa.”

Embora estes sejam exemplos óbvios de declarações que derrotam a si mesmas, às vezes as falhas são mais sutis.


O relativismo moral se autodestrói


Sempre que alguém disser, “Você não deve me impor sua moralidade”, pergunte “Por que não?”. Geralmente, a resposta será um exemplo de imposição de moralidade por parte dessa pessoa. Para que a objeção faça sentido, ela terá que afirmar um padrão moral enquanto nega a existência de quaisquer normas morais. Essas tentativas se reduzem a “Você está errado em dizer que as pessoas estão erradas”, ou, de forma mais direta, “Você não deve julgar, seu intolerante mesquinho”. Essas declarações são muitas vezes apelos em favor da tolerância. Uma pessoa não deve tentar mudar as crenças de outra.


Mas isso não é um avanço. A exortação em si é uma tentativa de te persuadir a mudar suas crenças “intolerantes”.


Para ilustrar esse ponto, eu estava tendo uma conversa amigável com um não cristão quando chegamos ao tema da homossexualidade. Ele logo se ofendeu com minha visão “condenatória”.


“Sabe, esse é o problema dos cristãos”, ele disse. “Estão sempre julgando a moral das outras pessoas”. Por um momento, ele ficou sem palavras quando mostrei que essa frase constituía um interessante julgamento moral da parte dele. Recuando, ele refez seu discurso e tentou argumentar de outra maneira.

“Está bem”, ele admitiu após refletir um pouco. “Acho que não há problema em julgar, desde que você não tente impor sua moralidade sobre os outros”. Ele pensou que isso resolveria seu problema. Enganou-se.


“Essa é a sua moralidade?” Perguntei. Ele assentiu. “Então por que você está impondo-a sobre mim?”. Ele estava de volta à “estaca zero.”


Depois de algumas tentativas frustradas, ele desiste: “Isso não está certo. Não consigo achar uma forma de dizer isso de modo que funcione.” Ele achou que eu estava brincando com ele.


Sorri discretamente. “Você não consegue achar uma forma porque ela não existe. Sua frase é contraditória. Não há como ela ser verdadeira.”


Relativistas morais sempre são pegos nessa dificuldade. É como se dissessem, “Não existem regras morais; aqui está uma.”


A única maneira de um relativista ser consistente é dizer, “Sinto que está errado, mas meu parecer não passa de uma opinião pessoal e não tem nada a ver com você. Por favor, desconsidere meus comentários.

C. S. Lewis faz a seguinte observação:

“Sempre que encontramos um homem a afirmar que não acredita na existência do certo e do errado, vemos logo em seguida este mesmo homem mudar de opinião. Ele pode não cumprir a palavra que lhe deu, mas, se você fizer a mesma coisa, ele lhe dirá “Não é justo!” tão rápido que você não terá tempo de dizer palavra alguma. Um país pode dizer que os tratados de nada valem; porém, no momento seguinte, porá sua causa a perder afirmando que o tratado específico que pretende romper não é um tratado justo. Se […] não existe um certo e um errado […] qual a diferença entre um tratado justo e um injusto?”

É possível que alguém discuta com você com entusiasmo e eloquência em defesa do relativismo moral e, contudo, reclame quando alguém toma a frente dele na fila. Essa mesma pessoa alegará tratamento injusto recebido no trabalho e denunciará a injustiça no sistema legal. Criticará os políticos desonestos que traem a confiança do povo e condenará os fundamentalistas intolerantes que impõem seus pontos de vista morais sobre outros. Acontece que, cada uma dessas objeções não tem sentido nenhum, são exemplos de um raciocínio autodestrutivo.

É a verdade verdadeira?


Em um debate acerca do pós-modernismo na Universidade Chapman, defendi o que parecia ser uma alegação bastante modesta: A verdade objetiva pode ser conhecida. Meu oponente, Dr. Marv Meyer, foi forçado a argumentar contra minha proposição, declarando de forma eficaz que ele conhecia a verdade que não se podia conhecer.


Esse debate me fez lembrar de um mestre de obras que, certo dia, reclamava da qualidade do ar em Los Angeles. “Essa fumaça está me matando,” ele disse. “Preciso de um tempo. Vou aqui fora fumar um pouco”. O comentário dele encerra uma contradição. Ele fez referência a algo condenável e, em seguida, passou a fazer, sem perceber, justamente o que ele tinha condenado. Não notou nenhum conflito entre sua reclamação e seu procedimento.


A proposta do Dr. Meyer era muito semelhante à declaração do mestre de obras. Primeiro, meu oponente argumentava que o conhecimento era de determinada forma. Segundo, afirmava que o conhecia tal como ele é. Ao longo de todo o debate, ele sustentou que essas afirmações são falsas. Meu trabalho já estava feito antes mesmo de eu começar.


Nas minhas considerações finais, eu disse à plateia que concordava alegremente com muitas das afirmações feitas pelo meu oponente. Elas provavam meu ponto.

“Quando lhes for solicitado que votem ao final do debate desta noite”, eu disse, “muitos de vocês votarão a favor da proposta de Marv, o que significa dizer que ele convenceu vocês de que a perspectiva dele era a verdadeira e a minha era a falsa. Caso isso aconteça, terei a certeza de que tive êxito em defender meu argumento. Com satisfação, considerarei cada voto para Marv como um voto a favor da seguinte resolução: A verdade objetiva pode ser conhecida.”


A versão “cristã” do pós-modernismo não se sai melhor. Alguns pensadores cristãos flertam com o relativismo, batizando-o com linguagem religiosa. “Há dois tipos de verdade”, eles dizem, “a verdade de Deus e a verdade do homem. A verdade de Deus é absoluta e só pode ser conhecida por ele. Só podemos conhecer a verdade do homem, que é limitada e relativa às nossas perspectivas pessoais”. Minha pergunta é: que tipo de verdade se reflete nessa afirmação? Se é a Verdade de Deus, como eles vieram a saber o que só Deus pode conhecer? Se é meramente a perspectiva falível do homem, então por que eu deveria confiar em uma generalização tão abrangente sobre a questão da verdade absoluta?

“Suicídio” religioso


O conceito de pluralismo religioso, o qual afirma que todas as religiões são igualmente verdadeiras, também se autorrefuta.


Se todas as religiões são verdadeiras, então, segue-se que o cristianismo é verdadeiro. No entanto, uma das verdades do cristianismo afirma que as outras religiões são falsas. Ou o cristianismo é verdadeiro e as outras religiões são falsas ou alguma outra visão de mundo é verdadeira e o cristianismo é falso. Em qualquer um dos casos, não é possível que todas as religiões sejam verdadeiras.


Uma objeção comum à noção de inspiração bíblica diz o seguinte: A Bíblia foi escrita somente por homens. Trata-se de um livro repleto de ideias humanas e todas as ideias humanas possuem falhas. Portanto, a Bíblia é um livro cheio de falhas.


Se todas as ideias humanas possuem falhas, então, a ideia de que todas as ideias humanas possuem falhas também é uma ideia falha, o que configura uma contradição. A objeção se autodestrói.


C. S. Lewis cita um exemplo que ilustra esse mesmo problema. Em resposta à alegação freudiana e marxista de que todos os pensamentos são, em sua origem, psicológica ou ideologicamente marcados, Lewis escreve:

“Se eles afirmam que todos os pensamentos são assim marcados, então, obviamente, devemos lembrá-los que o freudismo e o marxismo são sistemas de pensamento da mesma forma que o são a teologia cristã ou o idealismo filosófico. O freudiano e o marxiano acham-se no mesmo barco em que todos nós estamos, e não podem nos criticar como se estivessem do lado de fora. Fazendo isso, cortam o galho sobre o qual eles mesmos estão sentados. Se, em contrapartida, eles disserem que o estar marcado não precisa invalidar o pensamento deles, tampouco, portanto, precisa invalidar o nosso. Nesse caso, eles salvam o galho em que estão, mas também salvam o nosso.” (God in the dock, p. 300)

O hinduísmo como uma visão religiosa também parece transigir com noções contraditórias. Ele sustenta que a realidade como a conhecemos é uma ilusão, uma ideia que se chama Maya dentro da perspectiva hinduísta. Somos todos parte dessa ilusão e não existem identidades individuais verdadeiras.


Minha pergunta é: se sou parte dessa ilusão, como eu poderia saber disso? Como eu conseguiria possuir o verdadeiro conhecimento de que não existo ou possuir qualquer espécie de conhecimento se não sou real? Os indivíduos em um sonho sabem que não passam de fantasmas? Charlie Brown sabe que ele é um personagem de desenho animado?


O conceito hindu de que o mundo é uma ilusão contradiz a ideia de que eu posso ter o conhecimento que me diz que não sou uma mera ilusão, o que torna o conceito hindu um pensamento que se autorrefuta.


A maneira mais comum de escapar desse problema é a reivindicação de que a lei da contradição é uma noção ocidental e não se aplica ao pensamento oriental, como o hinduísmo. As noções contraditórias são igualmente verdadeiras no pensamento deles. Mas esse estratagema não é menos autodestrutivo. Se as noções contraditórias são igualmente verdadeiras na religião oriental, então a visão contrária – a de que as contradições de fato devem ser levadas em conta –, tem de ser aplicada também.


Liberdade, racionalidade e conhecimento


Há quem defenda que tudo na vida é determinado por condições físicas prévias e que, na verdade, a liberdade da vontade não é uma realidade. O mesmo pode ser dito se a alma não existir.  Se não há um centro dentro de nós que exerça livre arbítrio, segue-se que todas as nossas “escolhas” não passam de resultados inevitáveis de forças físicas cegas.


E o problema é justamente esse. Sem liberdade genuína, não pode haver racionalidade. Ninguém seria capaz de escolher suas crenças fundamentando-as em alguma base de evidências. As crenças seriam sustentadas por que assim haviam sido predeterminadas.


Por esse motivo, é estranho quando alguém tenta argumentar a favor do determinismo. Sua convicção não pode estar baseada em razões, nos méritos da posição em si, mas em condições prévias que produziram tal crença. Essa pessoa estaria “determinada” a acreditar no determinismo enquanto outras estariam “determinadas” a discordar dele.

Portanto, se não há livre arbítrio, nem sequer se poderia saber disso. Todos os nossos pensamentos, atitudes e opiniões seriam frutos de uma predeterminação em vez de terem sido escolhas com base em boas razões.


Há outros que limitam o campo do conhecimento apenas aos fenômenos que podem ser testados empiricamente. Para eles, todo conhecimento se baseia na observação. Mas essa é uma verdade que eles aprenderam com base na observação? E mais: será que eles observaram todo conhecimento a fim de saberem qual a natureza de todo conhecimento?


Alvin Plantinga, da Universidade de Notre Dame, chama essa tendência suicida de “labirinto filosófico”. Se você usa a ideia em outra pessoa, ele diz, é bem possível que você já esteja preso nela.

Você é aquilo que come?


Certa vez vi uma placa em um restaurante na qual se lia, “Você é o aquilo que come”. Ressaltei para o garçom que se somos o que comemos, logo não poderíamos ser algo até que comêssemos alguma coisa. Mas não podemos comer algo até sermos algo. Assim, não é verdade que somos o que comemos.


O garçom me olhou e disse, “Você terá que conversar com o gerente.”


Sempre esteja atento a argumentos com tendências suicidas. Faça a pergunta, “Essa posição carrega em si as sementes de sua própria destruição?” Não pense que você precisa fazer todo trabalho refutando um argumento ruim. Mantenha-se atento e fique em alerta. Quando perceber que o ponto de vista de seu oponente é autodestrutivo, faça uma pergunta que explore o problema. Então deixe ele se afogar no próprio navio!


Traduzido por Reginaldo Castro e revisado por Jonathan Silveira.

Texto original: Arguments That Commit Suicide. Stand to Reason.

Autor: Gregory Koukl obteve seu mestrado em filosofia da religião e ética na Talbot School of Theology e seu mestrado em apologética cristã na Simon Greenleaf University. É professor adjunto de apologética cristã na Biola University. Tem apresentado seu próprio programa de rádio por 20 anos, onde defende a cosmovisão cristã.

Copiado do endereço: http://tuporem.org.br/argumentos-que-se-autorrefutam/



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