sábado, 28 de março de 2020

#Escritura

A visão de Cristo sobre o Antigo Testamento

Tome o Antigo Testamento primeiro. Não pode haver dúvida, como qualquer leitor atento dos Evangelhos vai concordar, de que Jesus concedeu sua reverente aprovação à autoridade da Escritura do Antigo Testamento, pois se submeteu à sua autoridade. Darei três exemplos para demonstrá-lo.

Em primeiro lugar, Jesus submete-se ao Antigo Testamento em sua conduta pessoal. Desse modo, ele contra-atacou cada uma das tentações do Diabo por intermédio de uma citação bíblica apropriada. Algumas vezes é dito que ele citou a Escritura "para o Diabo". Não é bem assim. Mais correto seria dizer que ele citou a Escritura para si mesmo na presença do Diabo. Pois quando o diabo ofereceu-lhe os reinos do mundo se ele caísse de joelhos e o adorasse, Jesus respondeu:

Retira-te, Satanás, porque está escrito: Ao Senhor, teu Deus, adorarás, e só a ele darás culto. - Mateus 4.10


Jesus não estava aplicando esse texto a Satanás, mas a ele mesmo. Ele sabia pela Escritura que a adoração era devida somente a Deus. Ele iria, portanto, obedecer. Como homem ele deveria adorar a Deus, não a Satanás. A simples palavra gegraptai ("está escrito") era suficiente para ele. Não havia necessidade de questionar, discutir ou negociar. A questão havia já sido decidida pela Escritura. Essa submissão voluntária e pessoal do Filho de Deus à autoridade da Escritura é extremamente significativa.

Em segundo lugar, Jesus submeteu-se ao Antigo Testamento no cumprimento de sua missão. Ele parece ter chegado a uma compreensão de seu papel messiânico a partir do estudo da Escritura do Antigo Testamento. Ele sabia que era tanto o servo sofredor de Isaías quanto o Filho do Homem de Daniel. Assim, ele aceitou o fato de que poderia entrar em sua glória apenas pelo caminho do sofrimento e da morte. Isso explica o senso de necessidade, de compulsão que o constrangia:

Era necessário que o Filho do Homem sofresse muitas coisas, fosse rejeitado [...] e [...] fosse morto e que, depois de três dias, ressuscitasse. - Marcos 8.31


Por que "era necessário"? Porque a Escritura o dizia. Voluntaria e deliberadamente, ele se colocou sob sua autoridade. Ele estava determinado a cumprir o que estava escrito em sua missão e sua conduta. Assim quando Pedro tentou impedir a prisão de Cristo no jardim do Getsêmani, ele lhe disse que colocasse a espada na bainha. Ele não precisava de defesa humana. Ele não podia, se quisesse pedir a seu Pai por legiões de anjos em sua defesa? Por que, então, ele não o fez? Eis o motivo que ele deu:

Como, pois, se cumpririam as Escrituras, segundo as quais assim deve suceder? - Mateus 26.54


Ele era da mesma opinião depois da ressureição, e confirmou-a tanto aos dois discípulos de Emaús quanto ao grupo mais amplo de seus seguidores:

Porventura, não convinha que Cristo padecesse e entrasse na sua glória? [...] São estas as palavras que eu vos falei, estando ainda convosco: importava se cumprisse tudo o que de mim está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos. - Lucas 24.26-44


Em terceiro lugar, Jesus submeteu-se ao Antigo Testamento em suas controvérsias. Ele se achava em constante debate com os líderes religiosos de seu tempo, e onde houvesse diferença de opinião entre eles, Jesus considerava a Escritura o tribunal definitivo de apelação. "Que está escrito na Lei?" - ele perguntava. "Como interpretas?" (Lc 10.26). Ou: "Ainda não lestes a Escritura?" (Mc 12.10). Uma das principais críticas de Jesus a seus contemporâneos era contra o desrespeito deles pela Escritura. Os fariseus acrescentavam a ela e os saduceus subtraíam dela. Assim, aos fariseus ele disse:



Jeitosamente rejeitais o preceito de Deus para guardardes a vossa própria tradição [...] invalidando a palavra de Deus pela vossa própria tradição, que vós mesmos transmitistes. - Marcos 7.9-13


E os saduceus que negavam o sobrenatural:

Não provém o vosso erro de não conhecerdes as Escrituras, nem o poder de Deus? - Marcos 12.24



Está além de qualquer dúvida, portanto, que Jesus Cristo tinha ele mesmo uma atitude de submissão à Escritura. Em seus próprios padrões éticos, em sua compreensão de sua missão e no debate com os líderes judeus, o que a Escritura dizia era decisivo para ele. "A Escritura não pode falhar" - ele afirmava. E ainda:

Porque em verdade vos digo: até que o céu e a terra passem, nem um i ou um til jamais passará da Lei, até que tudo se cumpra. - Mateus 5.18


Não existe um único exemplo de Cristo contradizendo a origem divina da Escritura do Antigo Testamento. Algumas pessoas supõem que ele o fez nas seis antíteses do Sermão da Montanha, nas quais ele disse: "Ouviste o que foi dito [...] eu, porém, vos digo...". Todavia, não é de Moisés que ele está divergindo, mas das perversões de Moisés por parte dos escribas; não a Escritura (o que está "escrito"), mas a tradição oral (o que foi "dito"). Toda a evidência disponível confirma que Jesus Cristo assentiu em sua mente e submeteu-se em vida à autoridade da Escritura do Antigo Testamento. Não é inconcebível que seus seguidores tenham dela uma visão inferior à dele?


John Stott







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