"Quando Gregor Samsa despertou, certa manhã, de um sono agitado, viu-se metamorfoseado num monstroso inseto". Assim, incrivelmente e sem qualquer explicação, Franz Kafka inicia uma de suas obras mais famosas, "A Metamorfose", que só recentemente me atrevi a ler. Gostei.
O enredo conta o drama de uma família que perdeu sua coluna de sustentação, o jovem Samsa, sujeito trabalhador e dedicado, arrimo de família, orgulho de pai e mãe, e principal incentivador da irmã mais nova. Transformado numa espécie de barata, nunca mais saiu do quarto, onde vivia sob o sofá, pelas paredes e olhando a janela, como que esperando a morte chegar. E chegou. Contudo, a família adaptou-se à tragédia e reinventou-se.
Também metamorfoseou-se. Encontrou alternativas vitais, organizou-se, dinamizou-se e seguiu em frente. O antigo "pilar" virou um "peso". Quando morreu, aliviou a todos, os quais puderam tocar suas vidas com alegria maior que aquela que tinham antes. Inimaginável.
O livro é uma crítica social que toca, dentre outros pontos, na nossa capacidade de continuar vivendo, apesar de tudo. Nenhuma tragédia, nenhuma adversidade, nenhum revés ou o que quer que seja, exceto a morte, deve ser recebido como desfecho, impedimento, fim de linha, impossibilidade. Sempre é possível superar perdas, decepções ou dissabores. Sempre é possível recomeçar.
Poucas mensagens são tão inspiradoras e fundamentais. A vida não é uma carreira estável e sempre ascendente, isenta de interpéries ou acidentes de percurso. Pelo contrário. E todos sabemos isto. Inclusive, por experiência própria.
A diferença entre pessoas não consiste em que umas passam por dramas particulares, enquanto outras nunca sofrem dificuldade alguma.
Não. A diferença está em que umas seguem em frente, enquanto outras optam pela estagnação, a desistência e a deserção. Felizes são os que caem e levantam.
Pobres, os que ficam caídos.
Preciso de sabedoria para quando precisar recomeçar, o que certamente se me exigirá, cedo ou tarde. Sabedoria e fé, acrescente-se.
Afinal, esta é uma das propostas básicas da confissão cristã: "se alguém está em Cristo é nova criatura; as coisas antigas passaram e tudo se fez novo" (2 Coríntios 5.17); "como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também andemos nós em novidade de vida" (Romanos 6.4); "aquele que está assentado no trono disse: eis que faço novas todas as coisas" (Apocalipse 21.5).
Mais sábio e mais confiante, crerei, em detrimento do que quer que me tenha afetado, que o futuro permanece em aberto e convidando à novidade de vida. Como disse Tim Hansel: "a boa notícia é esta: que a melhor fase da vida ainda está pela frente".
Preciso de sabedoria para quando precisar soerguer-me, pois não estou e jamais estarei (não nesta vida!) livre das quedas.
Sabedoria e coragem, portanto. Afinal, não levanta somente quem ainda encontra forças e motivos, mas também quem supera o medo de uma nova queda ou novo golpe. "O que não nos mata nos torna mais fortes", diz o ditado.
"Por amor de Deus, somos entregues à morte todos os dias e fomos considerados como ovelhas para o matadouro; mas em todas estas coisas somos mais que vencedores", disse o apóstolo Paulo (Romanos 8.36, 37). "No mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo; eu venci o mundo", disse Jesus (João 16.33).
É contra elas e apesar delas, na certeza da vitória final, que saímo da cama todos os dias.
A não ser que em nossas veias corra sangue de barata...
Pr Marcelo Gomes - 1ª Igreja Presbiteriana Independente de Maringá
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