sábado, 30 de abril de 2022

Propensões e impulsos

 

PROPENÇÕES E IMPULSOS

   Quando discutimos a estrutura perceptiva, observamos que as sensações eram sempre “carregadas” de certas sensações positivas ou negativas ou “matizadas” por elas. Moléculas de açúcar estimulam as papilas gustativas, que passam a enviar impulsos para o “centro de paladar” no cérebro. Ali, o “gosto” surge: é apercepção consciente do estimulo. Mas essa percepção de gosto envolve ao mesmo tempo uma avaliação sensitiva, pois a maioria das pessoas avalia essa doçura como “gostosa”, enquanto outros sabores são percebidos como de gosto “ruim”. Essa avaliação sensitiva tem um uso pratico muito importante: por exemplo, quando percebemos o cheiro de algo queimando, ouvimos gritos e correria, vemos sangue ou sentimos dor, ou mesmo quando comemos algo cujo gosto estranhamos, ficamos imediatamente alarmados. Esses são estímulos que, para nós, provoca uma sensação negativa.

   Dessa maneira, em todos esses casos, o nosso senso de alarma é uma reação aprendida. É um reflexo condicional com base em uma reação sensitiva a estímulos. No entanto, podemos colocar o problema de outra forma: todas as nossas sensações são aprendidas ou também existem emoções completamente inatas. Existe, por exemplo, um grande número de experiências e discussões sobre a existência de um instinto, “instinto maternal”. É plausível que aquilo que é chamado de “instinto maternal” também seja algo baseado em um comportamento aprendido, o que significa que as mães só podem dar “amor” se também o tiverem recebido quando criança. Em nosso mundo ocidental “civilizado”, centenas de milhares de crianças foram abusadas pelas mães a cada ano. Parece que muitas dessas mães foram carentes de uma relação amorosa na infância e talvez tenham sido abusadas também. Dessa forma, mesmo o amor, em grande medida, é algo que tem q ser aprendido.

   As disposições não pertencem à estrutura sensível, mas à estrutura espiritiva. E, ao mesmo tempo, devem estar sob orientação de uma vida espiritiva. O cristão, em particular deveria ser capaz de entender que é responsável por tudo o que acontece em sua vida sentimental. E, assim, ser-lhe-ia proveitoso ser mais vigilante contra todos os tipos de emoções negativas e irracionais, as quais poderiam ser também chamadas de “preconceitos”: por exemplo, contra negros contra muçulmanos, contra homens de cabelo comprido. Alguns cristãos ficam satisfeitos em atribuis tais sensações a um tipo de “intuição espiritual”; por exemplo, afirmando serem capazes de “sentir “ que determinados artistas não são bons. A verdade da questão é que essa suposta “intuição” fundamenta-se de fato em emoções negativas aprendidas e completamente sem fundamento. E, dessa forma, nossa vida espiritual também tem o seu lado ético, como já vimos. Sob a orientação de um coração voltado para Deus e seus mandamentos, aprendemos que também somos capazes de julgar nossas emoções criticamente e, se necessário, condená-las. Da mesma forma, sob a orientação do coração, também aprendemos a julgar criticamente nossas emoções positivas – se forem boas – e promovê-las.

   Quanto aos impulsos ou “tendências”, se quisermos, o que foi dito sobre as afeições também se aplica a eles. À medida que se inserem na estrutura sensível, deveriam estar sob a orientação da estrutura espiritiva. Tanto os homens quanto os animais têm, de fato, uma noção de estrutura e, portanto, também possuem necessidades ou impulsos (desejos, anseios, inclinações), que os “guiam” e antecedem um juízo sóbrio. Mas a diferença reside no fato de que, no caso dos seres humanos, esses “impulsos” estão, por assim dizer, “incorporados” em nossas deliberações e decisões espiritivas. Essa é a razão por que o homem também é responsável por aquilo que faz com os próprios impulsos. Os impulsos mais importantes são a fome, a sede e o desejo sexual. É muito difícil determinar exatamente quantos impulsos existem e se podemos falar de impulsos separadamente em vez de variantes de um mesmo impulso. Não há necessidade de nos alongarmos com essas questões por enquanto.

   No entanto, por mais que nossos impulsos pareçam de tipo animal, a forma como lidamos com eles, como mencionado, é espiritiva e, portanto, completamente humana –ou, de qualquer maneira, deveria ser espiritiva. Possuímos, naturalmente, um forte desejo de ratificar nossos impulsos, mas também pode ser muito prazeroso aumentarmos esses impulsos. E dessa forma (espiritualmente!) Buscarmos diversas maneiras para aumentar o nosso apetite, mesmo o comportamento sexual não visa a satisfação imediata do desejo sexual pois isso faria com que agíssemos exatamente como animais. Em vez disso, o homem procura, antes de mais nada, aumentar os estímulos sexuais (estimulação sexual). Ele não procura em primeiro lugar, a gratificação. Por causa de sua estrutura espiritiva, o homem tem a capacidade de aumentar e refinar o prazer de gratificação reforçando esses estímulos internos antes de satisfaze-los. E, por essa razão, sabemos algo muito marcante, ou seja, a sexualidade no homem não é apenas –ou principalmente- uma função biológica, e sim algo planejado por Deus para ser a expressão do amor conjugal entre o marido e a esposa. É por isso que é possível, por exemplo, para um marido abster-se de relações sexuais com a esposa se ela estiver invalida ou doente, enquanto ele se dedica a cuidar dela. Ou, para darmos outro exemplo, abster-se completamente do sexo e permanecer solteiro para se tornar um missionário. No homem, portanto, os impulsos estão em um plano infinitamente mais elevado do que no caso dos animais, porque esses impulsos estão incorporados à vida espiritiva do homem. E o que é especialmente importante de se notar é que os impulsos dos humanos estão sob a orientação do coração, que serve a Deus ou a um ídolo.


Coração e Alma - uma perspectiva cristã da psicologia. 

Willem Ouweneel



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